Marcos Cardoso
Jornalista
A cultura popular está sendo vencida pela tecnologia. Pelo menos por enquanto. Do dia para a noite, milhares de moradores de quatro povoados nos confins de Simão Dias passaram a ser considerados como habitantes do território baiano. No Censo Demográfico realizado em 2007, o IBGE inovou e passou a demarcar com o uso de GPS os limites dos estados e municípios onde não há acidentes geográficos que os demarquem. O sistema de posicionamento global fez uma “correção” e, conforme reportagem publicada no caderno Municípios do Jornal da Cidade, os povoados Jenipapo, Lagoa Grande, Caiçá de Cima e Mato Verde passaram a constar como partes integrantes do município baiano de Paripiranga.
Os simão-dienses daquelas localidades estão revoltados com a mudança provocada pela tecnologia e o povo de Paripiranga, inclusive o prefeito, reconhece que os povoados em questão são, por laços afetivos, políticos, econômicos e sociais, pertencentes ao município sergipano. Mas o fato é que já constam prejuízos para a terra do governador e do vice-governador de Sergipe, Marcelo Déda e Belivaldo Chagas, da mãe do prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira, do senador e ex-governador Antônio Carlos Valadares e do ex-governador Celso de Carvalho. É preciso fazer alguma coisa.
O prefeito José Valadares informou que Simão Dias encerrou o ano R$ 2 milhões mais pobre, porque a população do município foi reduzida, afetando a divisão do Fundo de Participação dos Municípios, que é uma importante fonte de receita para a maioria das prefeituras. Sem falar no recolhimento de impostos e taxas que poderão passar a ser feitos no município baiano, que nunca investiu um centavo nos povoados que agora o IBGE considera como pertencentes a Paripiranga.
“Tudo daqui vem de Sergipe e de Simão Dias. E sempre foi assim. Se passarmos para a Bahia será um desastre, pois a Bahia é um estado grande, com centenas de municípios, e não dará atenção nenhuma aos povoados que agora estão no seu território”, reclamou Adilson Pursilho de Santana, funcionário de uma escola estadual no povoado Lagoa Grande. A Prefeitura de Simão Dias ingressou na Justiça contra o IGBE e quer seu pedaço de chão de volta.
INDEPENDENTE DE ESTAREM LÁ OU CÁ, historicamente os moradores dessa região limítrofe da Bahia com Sergipe estão mais para cá do que para lá. Talvez porque estejam em território que pertencia a Sergipe e que foi usurpado pela Bahia, um estado política e economicamente mais forte.
Durante séculos, o pequeno Sergipe tentou reaver as terras antes habitadas pelos índios Tupinambás que Cristóvão de Barros conquistou para o império português. O último lance desse embate aconteceu em 1987-88, durante a elaboração da Constituição do Brasil, quando o senador Francisco Rollemberg apresentou uma emenda propondo que aquelas terras voltassem a pertencer ao povo de Sergipe, de acordo com o que estabeleciam documentos históricos.
Com as provas documentais nas mãos, ele fez alguns pronunciamentos sobre a questão dos limites entre Sergipe e Bahia. Quando foi doada a Francisco Pereira Coutinho, em 1534, a Capitania de Sergipe compreendia da ponta da Bahia de Todos os Santos até a foz do rio São Francisco. Com a Carta Foral de 20 de abril de 1534, assinada por D. João III, estabeleceu-se que a capitania começava no rio Joanes, que hoje divide os municípios de Camaçari e Simões Filho, próximo do limite do município de Salvador.
“Com a ocupação e criação de São Cristóvão em 1590, por Cristóvão de Barros, foram as terras distribuídas em termos de sesmarias, ocasião em que a Bahia passou a ocupar cada vez mais o território de Sergipe, onde ficou estabelecido o limite do rio Itapicuru, que nasce nas terras onde hoje floresce a cidade de Jacobina”, citou Francisco Rollemberg, num discurso no Senado em 1987.
Depois, citando o pesquisador Adalberto Fonseca, Rollemberg prossegue: “Perdemos com este novo limite cerca de 40% do território primitivo, sem que a Bahia quisesse atender aos reclamos dos sergipanos. Entretanto, ainda não satisfeita, a Bahia nos empurrou até um riacho a quem deram o nome de rio Real”. Se o limite fosse mantido, Sergipe teria os municípios de Rio Real, Jandaíra e Itapicuru, dentre outros.
A questão dos limites entre os dois estados se arrastou até o Império, quando a respeito do assunto foi baixado o decreto datado de 8 de julho de 1820: “A superfície territorial do Estado de Sergipe é acrescida da área compreendida entre o rio Real, na divisa com o Estado da Bahia, e o rio Itapicuru, que passa a constituir-se na linha divisória entre os Estados da Bahia e Sergipe”. Parágrafo único: “Os municípios localizados na área compreendida entre os rios Real e Itapicuru passam a fazer parte do Estado de Sergipe”.
O senador fez constar que “há uma vocação natural das populações do vale do Itapicuru, como da economia dos respectivos municípios, no sentido de se ligarem à comunidade sergipana, ademais por uma questão de proximidade de Aracaju, muito menos afastada delas do que Salvador”.
NO DIA 10 DE AGOSTO DE 2008, o jornalista Clementino Heitor de Carvalho, de Serra Negra, antiga Pedro Alexandre, postou no seu blog, a pretexto de contribuir com o debate eleitoral, e sugerindo maior integração entre os municípios daquela região baiana: “As populações de municípios baianos como Jeremoabo, Santa Brígida, Pedro Alexandre, Coronel João Sá, Sítio do Quinto, Paripiranga, Rio Real, Adustina, Heliópolis, por exemplo, têm relações muito estreitas com Sergipe.
Num plebiscito, não será impossível que seja aprovada a anexação ao vizinho Estado”.
Como se vê, aquele povo está mais para cá do que para lá. Mas a fria tecnologia do GPS não consegue reconhecer isso.
(Texto de 1° de dezembro de 2008)