O governo Bolsonaro é autoritário?


Marcos Cardoso

Não, o governo do capitão Jair Messias Bolsonaro não é autoritário. Ainda não e espera-se que não caia na tentação de querer ser. Está longe de alcançar os três contextos definidos no Dicionário de Política para explicar o substantivo Autoritarismo: a estrutura dos sistemas políticos, as disposições psicológicas a respeito do poder e as ideologias políticas.

São chamados de autoritários, diz Norberto Bobbio (Nicola Matteucci, Gianfranco Pasquino et alii), os regimes que privilegiam a autoridade governamental e diminuem de forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições representativas.

No Brasil de 2019, o poder não está nas mãos de uma só pessoa e as instituições estão preservadas, não havendo subordinação dos poderes judiciário e legislativo ao poder executivo, e não há repressão à oposição política e ideológica.

Em sentido psicológico, prossegue o Dicionário de Política, fala-se de personalidade autoritária quando se quer denotar um tipo de personalidade formada por diversos traços característicos centrados no acoplamento de duas atitudes estreitamente ligadas entre si: de uma parte, a disposição à obediência preocupada com os superiores, incluindo por vezes o obséquio e a adulação para com todos aqueles que detêm a força e o poder; de outra parte, a disposição de tratar com arrogância e desprezo os inferiores hierárquicos e em geral todos aqueles que não têm poder e autoridade.

Por ser de formação militar e por ter um poder que está amparado nas forças armadas, o capitão Bolsonaro tem personalidade autoritária, mas por ter galgado uma posição intermediária no oficialato do Exército e ter construído uma carreira política ele não trata com arrogância e desprezo os inferiores hierárquicos, e nem pode, afinal, muitos deles são generais ou superiores na hierarquia militar. Mas é arrogante e despreza aqueles que fazem oposição, a quem considera inferiores.

Por fim, prossegue o Dicionário, as ideologias autoritárias negam mais ou menos de uma maneira decisiva a igualdade dos homens e colocam em destaque o princípio hierárquico, além de propugnarem formas de regimes autoritários e exaltarem amiudadas vezes como virtudes alguns dos componentes da personalidade autoritária.

É nesse contexto que Bolsonaro melhor se encaixa, seja pelo desprezo à igualdade dos homens, quando considera inferiores os índios, os sem-terra, os imigrantes, as mulheres e os transgêneros, seja pela defesa dos regimes e dirigentes autoritários, como a ditadura militar no Brasil e o ditador chileno Augusto Pinochet.

Particularmente sensível em relação à influência de forças externas e inclinado a aceitar excessivamente todos os valores convencionais do grupo social a que pertence, o autoritário despreza os considerados inferiores e está disposto a atacar as pessoas débeis e que socialmente são aceitáveis como vítimas.

Na prática, o governo Bolsonaro começa a flertar com o autoritarismo quando despreza a atuação parlamentar de quem lhe desagrada, como é o caso do deputado federal reeleito Jean Wyllys (PSOL-RJ). Em meio à grande repercussão da notícia de que o deputado abandonou seu terceiro mandato, anunciou que deixou o Brasil e se auto exilou no exterior, o presidente postou no Twitter a mensagem “grande dia”.

Defensor da causa gay, Jean Wyllys e sua família são ameaçados de morte. Sentia-se menos seguro depois do assassinato da vereadora Marielle Franco e ainda mais inseguro após a vitória eleitoral e posse de Jair Bolsonaro, que já era um desafeto dentro da Câmara Federal. A Polícia Federal mantém cinco inquéritos para investigar ameaças ao deputado.

A última ameaça sofrida foi na quinta-feira, 24, quando Jean anunciou que não vai mais ser parlamentar e recebeu o seguinte email: “Sua mãe já estava na linha e seria morta antes de 1º de fevereiro. Aquelas câmeras de segurança que você colocou não fazem nenhuma diferença e nós estávamos monitorando sua mãe e seu irmão”.

Como é que um presidente da República pode aplaudir isso?

O governo reagiu tentando censurar a notícia. Segundo a Revista Época, do Grupo Globo, “a direção da EBC agiu para que seus canais não noticiassem as ameaças de morte a Jean Wyllys”. De acordo com a publicação, “a TV Brasil, a Agência Brasil e as rádios fazem silêncio sobre o caso”. Também integram a EBC a Rádio Nacional de Brasília e do Rio de Janeiro, a Rádio MEC e outras emissoras.

A censura teria sido confirmada por funcionários da EBC, que afirmaram, sem se identificar, “que receberam ordens da chefia para ignorar a história”. O mesmo ocorreu nas redes sociais.

Criada em 2007, a Empresa Brasil de Comunicação está vinculada à Secretaria de Governo, por meio da Secretaria Especial de Comunicação Social, desde o início do Governo Bolsonaro. A Secretaria de Governo é comandada pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz e a Secretaria Especial de Comunicação Social é dirigida pelo general Floriano Barbosa de Amorim Neto.

Na interinidade da Presidência, o general vice-presidente Hamilton Mourão manifestou-se afirmando que ameaçar parlamentar é crime contra a democracia. Menos mal.

Mas para completar a guinada ao autoritarismo um ataque à transparência. Por meio de um decreto, o governo mudou a regulamentação da Lei de Acesso à Informação, para permitir que cargos comissionados possam classificar informações oficiais com o grau máximo de sigilo: de 25 anos (dados ultrassecretos) ou 15 anos (dados secretos). Na prática, o decreto assinado pelo vice-presidente ampliará o número de documentos sigilosos, algo criticado pelas entidades e especialistas no tema.

O maior avanço da Lei de Acesso à Informação foi a compreensão de que acesso à informação pública é um direito do cidadão, por isso o sigilo da informação deveria ser a exceção. Que governo moderno pode ser contrário à transparência?