Marcos Cardoso
Os poemas de Natal são tristes. Mesmo quando fazem referência ao nascimento de Jesus Cristo, motivo primordial da comemoração, momento de maior júbilo dos que tentam seguir os passos daquele que veio ao mundo para salvar a humanidade. É que os poetas são fingidores, fingem ser alegres, mas são tristes. E, como antenas da raça, sofrem as vicissitudes da fortuna e os dissabores da pobre condição humana.
Dentre os clássicos em língua portuguesa está o “Poema de Natal” de Vinicius de Moraes (“Poemas, sonetos e baladas”, 1946), um dos mais profícuos dos nossos bardos verbalizando tristemente o humano fio de esperança:
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
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Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
Carlos Pena Filho, o genial recifense que a morte ceifou em trágico acidente, mas jamais deve ser esquecido, também nos deixou um “Poema de Natal” (“Melhores Poemas”, 2000):
— Sino, claro sino,
tocas para quem?
— Para o Deus menino
que de longe vem.
— Pois se o encontrares
traze-o ao meu amor.
— E que lhe ofereces,
velho pecador?
— Minha fé cansada,
meu vinho, meu pão,
meu silêncio limpo,
minha solidão.
E o sarcástico e não menos genial português Bocage — Manuel Maria Barbosa du Bocage —, registrou no soneto “Natal” todo o seu desprezo pela dor dos pecadores:
Se considero o triste abatimento
Em que me faz jazer minha desgraça,
A desesperação me despedaça,
No mesmo instante, o frágil sofrimento.
Mas súbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me traspassa,
Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça,
Teve num vil presepe o nascimento.
Vejo na palha o Redentor chorando,
Ao lado a Mãe, prostrados os pastores,
A milagrosa estrela os reis guiando.
Vejo-O morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.
Pois bem, há os autores sergipanos. E a eles, parece que unanimemente, ridicularizar o aspecto comercial e consumista da festa é marca de descontentamento registrado em poemas de forte apelo social. Veja-se o “Cartão de Natal” do itabaianense Alberto Carvalho (“Textamento”, 1981), com seu ferino humor:
Aqui,
Não a paisagem nevada
A neve que não conheço, sou do Nordeste,
Nem Papai Noel em trenó
Na terra dos carros-de-bois.
Como suariam as renas na minha terra!
Aqui, a paisagem branca
O espaço à espera
Daquilo que estamos por fazer.
João Francisco dos Santos, o Chico Buxinho, também registrou um “Cartão de Natal” (“Poemas Subversivos”, 1982), de cunho socialista e que de certa forma antecipa acontecimentos:
Quando
a fome for exterminada
não existir exploração
a terra for de quem nela trabalha
não houver mais opressão
e for extinta a propriedade privada
dos meios de produção
eu vou lhe desejar
todos os anos
um feliz natal
Por enquanto
Boas Festas,
tchau!
O laureado riachuelense Santo Souza nos concedeu “Paisagem de Natal” (“Obra Escolhida”, 1989), um lamento muito intenso e atual, carregado da simbologia dos grandes autores do Nordeste que escreveram para denunciar uma chaga social, a fome:
Natal. Noite de festa! – Sob o açoite
do vento, que pragueja e rodopia,
a noite vela. Tão somente a noite,
A noite e o vento na infernal orgia.
No alto, o sudário azul do céu se espalha
embebido de lágrimas frementes…
Longe, o horizonte, exausto, se agasalha
nos ombros das montanhas penitentes.
E a tristeza das árvores cansadas
no escuro. Bracejando, em pé. Sofrendo,
com as unhas das raízes enterradas
nas entranhas do chão, se contorcendo.
Perto, a choupana. E a luz que se consome,
numa vigília atroz, dentro da sala,
vendo a criança magra que se embala
sonhando e rindo, pálida de fome.
Natal! Jesus-menino… E esta criança
sem brinquedos, faminta, na esperança
de ver Papai Noel se aproximando…
E o vento passa. O vento passa e a engana!
-Não é Papai Noel: é o vento andando
sobre o teto de palha da cabana…
Dois mil anos de sonhos e esperanças
se desfolhando em cada coração:
Natal! Noite de festa… E essas crianças
de mãos vazias – sem um lar! sem pão!
Por fim, mas não por último, José Sampaio, o poeta dos humildes, escreveu em 1941 um “Cartão de Natal” (“Poesia e Prosa”, 1992):
Este é o meu cartão de Boas-Festas e feliz Ano Novo
para os que ainda não receberam cartões:
os maloqueiros das pontes,
os velhos trabalhadores cansados
os vendedores de jornais,
as crianças de olhos aflitos.
Negro do cais,
levante o copo e beba comigo,
amanhã é o primeiro do ano
embora depois as nossas cabeças
voltem-se de novo para o chão e nossos olhos se entristeçam.
Hoje o caminho está claro,
vamos fazer uma festa como nunca houve.
Os poetas do sertão afinarão as suas violas
para ressuscitar a poesia do povo.
Canta, negro valente,
a canção que a tua mãe te ensinou
quando eras moleque,
canta a tua canção,
todos nós queremos ouvir
a voz do teu peito que vivia calado.
Vamos fazer de conta que hoje achamos a nossa terra
e a madrugada começa a chegar
para amanhecer o dia de alegria.
E agora, minha amada,
eu quero que os teus olhos venham para a festa do povo,
derrama o teu sorriso sobre o povo
e solta os teus cabelos longos
como um sinal de liberdade.
São belos e tristes poemas de Natal. Mas talvez a mais linda poesia de Natal, a insuperável, seja a primeira de todas, que está na Bíblia e fala sobre uma estrela no céu e um bebê numa manjedoura. A natividade espetacular e ao mesmo tempo simples do rei-pobre, do menino-deus, do salvador!