Marcos Cardoso
Jornalista
Hugo Chávez era um revolucionário, um caudilho ou um populista de esquerda? Ou tudo isso junto na mesma personalidade egocêntrica e histriônica? A definição sobre o ex-presidente da Venezuela e líder do bolivarianismo morto há três anos é controversa e provoca debate acalorado nesses tempos de radicais livres nas redes sociais.
Quanto a Nicolás Maduro, seu pupilo e sucessor, não há dúvida: é um maquinista de metrô estúpido e despreparado que concluiu à perfeição o trabalho do padrinho e levou à bancarrota o belo país encastoado na borda norte da América do Sul, descendo dos Andes até as paradisíacas águas do Caribe.
País ameaçado de ser suspenso da Organização dos Estados Americanos por perder a “finalidade política”, que é defender o bem maior e coletivo, a Venezuela vive uma crise política, econômica e institucional sem precedentes na história recente.
Nas ruas do país, a pressão é por um referendo revogatório contra o presidente, que decretou estado de exceção em 13 de maio. Manifestações ainda tímidas à evidência de que sete em cada 10 venezuelanos são favoráveis a uma mudança de governo.
Após 17 anos no poder, o chavismo conseguiu mais do que controlar as mobilizações. Há um mal-estar social com a grave escassez de alimentos e remédios, além de uma inflação projetada de 700% para 2016, de acordo com o FMI. O país sofre com cortes cotidianos de energia elétrica e água, além da criminalidade sem precedentes.
Por causa do racionamento de energia, os tribunais estão fechados na maioria dos dias. Muitos órgãos oficiais agora só abrem dois dias por semana, em meio período. Não há água suficiente, a telefonia ficou precária e a empresa mexicana Coca-Cola Femsa de Venezuela, que engarrafa o refrigerante, interrompeu a produção de bebidas porque ficou sem açúcar.
As escolas públicas estão fechadas às sextas-feiras. Mas os exercícios militares não param.
Não havendo uma ruptura institucional mais grave, na melhor das hipóteses, se a consulta acontecer depois de 10 de janeiro de 2017, quando o mandato presidencial completa quatro anos, e Maduro for derrotado, os dois anos restantes serão completados pelo vice-presidente — designado pelo chefe de Estado, diga-se. Se o referendo acontecer este ano e o chavismo for derrotado, novas eleições serão convocadas, desejo da maioria de um Congresso intimidado.
Maduro perdeu a aprovação de membros de seu próprio Partido Socialista e antigos aliados agora criticam abertamente a Venezuela. O lúcido José Mujica, ex-presidente uruguaio, chamou Maduro de “louco como um bode”.
O bolivarianismo sobrevive graças ao controle das forças armadas e à venda de petróleo a preço subsidiado para grande parte dos países da América Latina e Caribe, o que pode garantir ao país a não suspensão pela OEA. A Venezuela possui a maior reserva de petróleo do mundo, mais do que a Arábia Saudita, outro portento.
A retórica política de Maduro se sustenta entre o culto quase sagrado ao comandante e a fanfarronice antiimperialista americana. Ele chegou a acusar o Homem-Aranha de ser um dos responsáveis pela crise de insegurança que assola o país.
Os Estados Unidos, sempre dispostos a invadir a Venezuela, agora contariam com o apoio da Espanha, forçando uma intervenção militar da Otan. A birra com os espanhóis cresceu desde que o rei matador de elefantes mandou Hugo Chávez se calar.
Dentre as pérolas de suas excentricidades e declarações polêmicas, é memorável ter sentido a presença de seu líder e antecessor através de um passarinho. E, para o comandante, ele criou feriados nacionais como o Dia do Amor e Lealdade a Chávez, 8 de dezembro. O chefe de Estado chegou a afirmar que uma imagem de Chávez apareceu numa parede do metrô de Caracas.
Maduro revelou bisonhamente que dorme ao lado da tumba de Chávez para se inspirar.
“Eu às vezes venho à noite e durmo aqui. Muitas vezes. Vocês nem se dão conta. Os vizinhos às vezes se dão conta. Entramos durante a noite e permanecemos aqui para dormir, refletir”, disse ao programa Diálogo Bolivariano, da TV estatal, em agosto de 2013, direto do Quartel da Montanha, em Caracas, onde estão os restos mortais de seu mentor, lembrando de suas visitas noturnas ao túmulo sagrado.
Maduro teve a inspiração de criar o Ministério da Suprema Felicidade, que tem a incumbência de coordenar os programas assistencialistas do governo.
E durante uma cerimônia que marcou o primeiro ano da chegada ao poder, o fantasioso presidente apresentou o novo símbolo de propaganda do seu governo: um boné com um bigode adesivo para ser retirado e colado debaixo do nariz, imitando uma de suas marcas registradas.
Tudo isso seria cômico se não levasse um país à miséria. E simboliza mais um tombo na derrocada da esquerda da América Latina.
A Venezuela sofre de anos de má gestão econômica, incluindo a dependência excessiva do petróleo e controles de preços que levaram muitas empresas e o campo agroindustrial a parar de produzir, afetando absurdamente a vida do seu povo.
Por muito menos, governantes já caíram.