Empresas apostam em funcionários que “fogem” de cargos de chefia


Back view of businesswoman standing on crossroads and making choice
Foto: Blog Desenvolver Ideias

Cresce o reconhecimento da carreira em Y. Entenda por quê

Se até outro dia um funcionário pouco interessado em virar chefe era tido como acomodado, hoje as empresas já abrem novos caminhos para a ascensão de quem prefere se manter em cargos técnicos. Com isso, cresce o reconhecimento da “carreira em Y”, modelo de progressão profissional em que os funcionários seniores podem se especializar em determinados ramos em vez de virar gerentes de área.

Em setores como financeiro, jurídico, tecnologia e RH, há cada vez mais espaço para encaminhar pessoas a cargos como os de consultores ou especialistas em vez de direcioná-los a postos de liderança tradicional, que envolvem gestão, motivação e influência sobre a equipe.

“Se você pressiona o técnico a assumir a gerência tradicional, pode perder um grande especialista e ganhar um gestor ruim, que aceita o cargo por medo de ficar estagnado”, afirma a doutora em administração Marisa Eboli, professora da FIA (Fundação Instituto de Administração).

A administradora Vera Fernandes, 50, especialista em RH na farmacêutica Sanofi, diz ter preferido se aprofundar em sua área a buscar um cargo de chefia. “Eu seria uma péssima gestora, já que um gerente delega, motiva, e isso não tem a ver comigo.” Fernandes afirma ter sido criticada pelos colegas por não se interessar pela gerência. “Diziam que eu ficaria paralisada. Hoje se aceita melhor o fato de que nem todos têm perfil de gestão.”

Para Eboli, a ideia de que um especialista não progride na carreira é errada. “Mesmo que ele permaneça com o título de consultor ou especialista, os desafios e responsabilidades aumentam, e o salário também”, diz.

A prática mais moderna nas empresas não apenas abre espaço para que o profissional escolha um caminho menos tradicional, mas também o encoraja a deixar claro aos gestores o que quer.

A gestora de RH da farmacêutica Sanofi, Maria Lamin, diz que, anos atrás, o profissional raramente era envolvido nas decisões sobre sua própria progressão. “Hoje a pessoa é protagonista da própria ascensão e deve sinalizar seus interesses durante o feedback, para que não haja desperdício de potencial.”

Para Rodrigo Magalhães, da consultoria em RH Korn Ferry Hay Group, especialistas podem elaborar plano de carreira independentemente da empresa. “Eles devem procurar organizações que lhes deem autonomia”, afirma.

No comando 

Já quem planeja chegar à gestão deve adotar práticas mais modernas de chefia, alertam os especialistas. “Há menos espaço para o chefe todo-poderoso e autoritário”, diz Edmarson Mota, da Fundação Getulio Vargas. “Ganha espaço quem é líder natural, conhece a área e tem o respeito de seus pares.” Além disso, é preciso saber motivações e dificuldades de cada um dos subordinados.

Especialistas em falta no mercado 

O profissional especializado é menos vulnerável às intempéries do mercado do que seus pares mais generalistas, caso dos gestores tradicionais, diz Rodrigo Magalhães, líder de pesquisas da consultoria Korn Ferry Hay Group.

Esses colaboradores estão em falta no Brasil: encontrar e reter funcionários altamente capacitados numa determinada área é um desafio para 86% das empresas brasileiras, de acordo com pesquisa da consultoria em RH.
Participaram do levantamento 309 empresas de setores como engenharia, manufatura e farmacêutica, de todos os portes, entre novembro e dezembro do ano passado.

Um profissional que opta pela carreira em Y é especialmente vantajoso num momento em que as empresas cortam o número de níveis hierárquicos e enxugam a estrutura.”Os espaços no esquema tradicional de progressão de carreira estão diminuindo”, afirma Magalhães, da Korn Ferry. “As empresas buscam outros caminhos para desenvolver seus quadros, e especializá-los é uma ótima alternativa.”

Quem quiser seguir essa rota deve investir em aperfeiçoamento, diz Marisa Eboli, doutora em administração e professora da FIA (Fundação Instituto de Administração). “A ideia é que ele se torne uma autoridade no assunto, pois é assim que se consolidará como uma força dentro da empresa.”

E, mesmo que não vire gerente de área, esse funcionário terá de gerenciar projetos em algum momento da carreira, aponta Edmarson Mota, coordenador do MBA em desenvolvimento humano de gestores da FGV (Fundação Getulio Vargas). “Ir além da capacitação específica é o grande desafio desses profissionais”, afirma Mota.

Por isso, mesmo sem a intenção de assumir cargos de chefia, adquirir conhecimentos básicos em gestão, como liderança, trabalho em equipe e até coaching, pode ser útil na hora de construir e executar uma nova iniciativa dentro da empresa.

Folha de S. Paulo