O antes e depois das campanhas de cerveja


Marcas reveem tons das campanhas, demonstrando estarem atentas ao debate sobre igualdade de gênero

O machismo ainda está presente na comunicação de muitas marcas no Brasil e no mundo. E, embora não seja exclusividade desse segmento, a cerveja é uma das categorias mais simbólicas quando se fala em objetificação e estereótipo de gênero. Nos últimos dois anos, porém, algumas marcas têm mudado o tom de sua comunicação, muitas após a repercussão negativa entre os consumidores. Confira o “antes e o depois” das campanhas de quatro grandes cervejas do mercado brasileiro:

Skol
Às vésperas do Carnaval de 2015, a Skol estampou diversos outdoors com frases como: “Topo antes de saber a pergunta”, “Tô na sua, mesmo sem saber qual é a sua” e “Esqueci o não em casa”. A última passou por uma intervenção das amigas Pri Ferrari, publicitária, e Mila Alves, jornalista, divulgada no Facebook na época. Com fita isolante, elas escreveram “e trouxe o nunca” no anúncio. As acusações de apologia ao estupro fizeram com que a Skol trocasse os cartazes. Com outro tom, os novos dizeres continham o recado “Neste Carnaval, respeite”.

Em comunicado, a marca afirmou que substituiu as peças “por respeito à diversidade de opiniões”. E, a partir de então, passou a envolver-se com causas como a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, da qual foi patrocinadora oficial na edição passada. Atualmente, está no ar o terceiro filme da campanha “Redondo é sair do seu quadrado”, com criação da F/Nazca. Intitulado “Viva a Diferença”, o comercial convida as pessoas a se livrarem de preconceitos e utiliza atores com diferentes tipos físicos e etnias. Para Thaís Fabris, fundadora e diretora da consultoria 65/10, está, de fato, acontecendo uma mudança na abordagem das marcas de cerveja, seja pelo aumento no poder de consumo da mulher, seja pela questão da representatividade. “Os consumidores têm o poder de mudar o ponteiro de negócios de uma marca. E a mulher representa quase metade dos consumidores. Além disso, 65% das mulheres não se identificam com a forma que são retratadas. No caso de Skol, a comunicação mudou muito e tem muito mais a ver com o conceito Redondo”, diz.

Antes

O protesto de Mila Alves e Pri Ferrari em 2015 foi um dos estopins para que a Skol mudasse sua comunicação Imagem: Reprodução Facebook

Depois

“Viva a Diferença” celebra a beleza das diferenças no verão: “Preconceito ninguém quer ver”

Budweiser
A Budweiser, que tem a música e o esporte como pilares globais de marketing, também foi acusada por sustentar a cultura do estupro com a campanha “Up fow whatever”, veiculada nos EUA em 2015. Uma das mensagens escritas no rótulo da garrafa de Bud Light dizia: “a cerveja perfeita para tirar o ‘não’ do vocabulário esta noite”. A Anheuser-Busch admitiu que passou do ponto e emitiu um pedido de desculpas. No mesmo ano, a Africa criou uma campanha estrelada pela lutadora Ronda Rousey, distanciando-se da objetificação da mulher. De acordo com Matias Menendez, diretor de criação da agência, a marca deve estar antenada a assuntos fundamentais, como a igualdade, para ter a responsabilidade necessária quando for comunicar. “É fazer uma campanha que não apenas fale da mulher, mas saber como falar sobre mulher na comunicação e fazer algo que contemple todo mundo. Na manifestação contra o Trump a favor das mulheres, havia mulher, homem, idosos, jovens. Para nós, isso é algo muito grande”, afirma. A atual campanha da Budweiser no Brasil, #Deixequedigam, mostra um beijo gay e uma mulher gorda. “Se a gente quer falar sobre todos os consumidores é difícil esquecer dessa questão da diversidade. Usamos um tom provocador e em alguns momentos duvidamos, mas as pessoas gostaram dessa sinceridade. A maioria das marcas cria personagens que não são reais, garotos propagandas que não são reais. Hoje estamos rodeados de pessoas, as redes sociais nos deram a opção de falar sobre tudo, de dar um like, de falar o que está errado. Queremos ser uma marca autêntica”, diz.

Heineken
Em 2014, ação da Wieden + Kennedy São Paulo para a Heineken propôs que, enquanto os homens assistissem à final da Chanpions League, suas esposas e namoradas aproveitassem a liquidação da Shoestock. A construção de gênero da peça gerou críticas por parte de consumidores na internet. Dois anos depois, a Publicis criou para a marca uma ação em que esse estereótipo de gênero é quebrado: “Clichê” dava a entender que os rapazes iriam conferir o jogo do campeonato europeu enquanto suas parceiras seriam levadas a um spa. O que ocorreu foi o contrário, as garotas foram para Milão conferir a partida no estádio. De acordo com Domênico Massareto, CCO da Publicis, essa foi a campanha mais vista da historia da marca no mundo. “Indica que ela é relevante para o consumidor, pois não só colocou em termos iguais ambos os gêneros, mas deu a recompensa e a virada no jogo. Quem falou que mulher não pode gostar de futebol também?”, diz. O profissional afirma que é preciso considerar que a Heineken é uma marca premium, portanto isso molda o planejamento que a marca devolve para o consumidor, além de um segundo ponto, que é a tagline da marca, “Open your world” (abra seu mundo). “Parte de uma premissa que todo mundo e autêntico e tem sua forma se expressar. Por si só ficaria difícil manter uma conversa, desdobrar uma comunicação baseada em estereótipos. A marca não quer fazer barulho por fazer barulho”.

Itaipava
O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) suspendeu em 2015 um anúncio da Itaipava criado pela Y&R. A peça comparava o volume da lata e da garrafa da bebida com o do silicone de Aline Riscado, garota-propaganda da cerveja. Em entrevista ao Meio & Mensagem na época, a entidade afirmou que as novas demandas e comportamentos sociais pautam a atualização do código de regulamentação e, consequentemente, alteram padrões que não condizem mais com a realidade da sociedade. As últimas campanhas de Itaipava, como “História de Verão”, já não dão tanto destaque para os atributos físicos da modelo. “O contexto social afeta a propaganda de forma geral. A gente trabalha em um negócio no qual nosso maior papel é estar a par do que acontece no mundo. A gente precisa sim trazer o debate, que existe e reflete. Mas ele não é o ponto de partida. Não foi uma feminista que nos obrigou a repensar isso, é uma evolução natural. A prioridade da Itaipava e de todas as cervejas não é polarizar. A briga da cerveja é por share, por preferência. Mas é necessário ter certos cuidados na comunicação”, analisa Marcello Penna, VP de atendimento da Y&R.

Meio & Mensagem
Isabella Lessa