A “CPI da Covid”, uma Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada pelo Senado Federal para investigar a responsabilidade do governo federal e suas possíveis omissões no combate à pandemia do coronavírus, vem prendendo a atenção da opinião pública brasileira, principalmente a partir do depoimento do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Com a sua administração contestada e responsabilizada pelas mais de 400 mil mortes causadas pela doença no Brasil, ele teve seu depoimento desdobrado em dois dias e marcado por tensos interrogatórios dos parlamentares.
Transmitidos em tempo real por sites, canais de notícias e emissoras jornalísticas de rádio, os depoimentos da CPI da Covid repetiram o nível de repercussão da chamada “CPI do PC”, em 1992, cujas denúncias de corrupção provocaram a abertura de um processo de impeachment e a renúncia do então presidente Fernando Collor. “Os meios de comunicação, incluindo a internet, têm um papel determinante. Além do mais, pelo fato do Brasil ter alcançado um número elevadíssimo de mortes, é natural que a população tenha a atenção voltada para a CPI da Covid, no intuito de saber quais as causas do agravamento no Brasil”, define o professor Nelson Teodomiro, do curso de Direito da Universidade Tiradentes.
Esses exemplos mostram a relevância das CPIs, que surgiram informalmente no reinado de Dom Pedro I, em 1826, quando um grupo de deputados e senadores investigou irregularidades no Banco do Brasil. As comissões passaram a ser organizadas como tal a partir da Constituição de 1934, que definiu suas regras de funcionamento na Câmara dos Deputados. Com as interrupções provocadas pelo Estado Novo (1937-1945) e pela ditadura militar, em períodos entre 1966 e 1973, as regras foram sendo alteradas e aperfeiçoadas até chegar em seu formato atual, com a Constituição de 1988.
Teodomiro explica que as CPIs podem ser instauradas, pelo Senado, pela Câmara dos Deputados, pelas Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas dos estados. “Ela tem por objetivo conduzir uma investigação sobre um fato certo e determinado, e ao final é produzido um relatório sobre tudo que ocorreu nas investigações. Sendo uma comissão temporária, a função é produzir um inquérito parlamentar, uma vez que isso parte do Poder Legislativo que possui a função típica de fiscalizar”, esclarece. Pela lei, uma CPI pode ser evocada sempre que houver um fato certo e determinado, além da manifestação favorável de 1/3 dos membros de cada Casa parlamentar.
A partir da leitura do requerimento e da indicação dos membros pelos partidos, a comissão tem prazo de funcionamento de 120 dias, prorrogáveis por mais 60, mediante deliberação do Plenário. Neste tempo, elas podem tomar depoimentos e requisitar documentos, podendo inclusive exercer poderes atribuídos à Polícia e ao Ministério Público. “Segundo a Constituição, a CPI tem poderes de investigação típicos das autoridades judiciárias, com exceção daqueles reservados exclusivamente para os juízes e tribunais, quais sejam: expedir mandados de prisão, de busca e apreensão em domicílio e determinar interceptações telefônicas. Com exceção destes, todo o resto pode ser determinado por uma CPI”, esclarece Nelson.
Terminado o prazo dado pelo Plenário, o relator da comissão elabora um documento com as principais conclusões relacionadas ao tema, com base em tudo o que foi apurado. “Ao fim de cada CPI, esse relatório será enviado ao Ministério Público, em caso da constatação de alguma ilicitude, ou à Câmara dos Deputados, em caso de constatação de crime de responsabilidade do presidente da República”, diz o professor, frisando que “a CPI não é um órgão punitivo, e não tem poder para punir ninguém ou aplicar qualquer tipo de sanção”.
Neste sentido, Teodomiro ressalta que não é verdadeira a narrativa popular de que “CPIs sempre acabam em pizza”, criada a partir de uma expressão lançada na década de 1960 pelo repórter esportivo Milton Peruzzi, do antigo jornal “A Gazeta Esportiva”. Para o professor, nem sempre uma CPI pode apresentar consequência prática. “Ao final das investigações o relatório pode ser conclusivo ou não, o que acontece também nos inquéritos policiais. Isso vai depender do arcabouço probatório”, resumiu.
Por outro lado, as CPIs podem resultar em medidas concretas, como processos judiciais, cassações de parlamentares, processos de impeachment e, principalmente, mudanças de legislação, como a Lei de Licitações (nº 8.666/1993), em 1993, o Programa de Proteção à Testemunha, em 1999, e a “Lei Joanna Maranhão”, em 2008, que dificultou a prescrição de crimes sexuais contra crianças e adolescentes.
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