Um governo politicamente incorreto  


Marcos Cardoso

Quando Bolsonaro disse que ia acabar com o “politicamente correto” seus críticos pensaram se tratar de mais uma bobagem, mais uma falácia do capitão. Mas ele não estava brincando. A prática mostra que ele e seus seguidores estão se lixando para tudo o que a sociedade evoluída classifica como politicamente correto.

Muitas vezes usado de forma pejorativa, o termo descreve como se evitar falas ou ações vistas como excludentes, que marginalizam ou insultam grupos de pessoas normalmente desfavorecidas ou discriminadas, quase sempre definidos por sexo ou etnia.

O termo é novo, a reação a ele é novíssima, mas é claro que Bolsonaro apenas copia o que os líderes autoritários do mundo estão fazendo hoje, Donald Trump à frente, para impor uma “nova” ideologia de extrema-direita.

Ancorados nas suas redes sociais, porque assim chegam mais rapidamente aos seguidores, que igualmente desacreditam da autoridade da imprensa e de outras instituições, eles combatem tudo o que associam ao “marxismo cultural”, outro termo igualmente vago muito usado pela extrema direita para dividir as pessoas, e assim impor que eles devem decidir o que é certo e o que é errado.

Se é politicamente correto defender o feminismo, o homem que disse que ter uma filha mulher foi “uma fraquejada” resumiu assim sua preocupação com o movimento feminista: “Não estou preocupado com mulher de braço cabeludo”.

Sua ministra da Mulher, Damares Alves, classificou o que eles pensam sobre o feminismo: “Feministas não gostam de homens porque são feias e nós somos lindas”. Que o digam Joana D’Arc, Nísia Floresta, Pagu, Virgina Woolf, Simone de Beauvoir, Bertha Lutz, Rose Marie Muraro e Leila Diniz. Que o digam Letícia Sabatella, Iza e Fernanda Lima.

O feminismo, caras pálidas, é um movimento que defende direitos iguais para homens e mulheres, porque todos nascem iguais e merecem o mesmo respeito e as mesmas oportunidades.

Se é politicamente correto defender os índios, porque têm suas próprias culturas, porque são os donos originais das terras, porque foram chacinados e a maioria dizimada pelos colonizadores, pelos latifundiários, pelos madeireiros, pelos mineradores e pelo próprio Estado, o homem disse que índio não teria um centímetro de terra no seu governo e que ele merece é comer capim, “para manter as suas origens”, tratando logo de desmontar o aparelho que cuida de preservar o mínimo direito aos povos nativos.

Bolsonaro retirou a Funai do Ministério da Justiça e a subordinou ao ministério de Damares, ao mesmo tempo em que delegou ao Ministério da Agricultura, da ruralista Cristina da Costa, a tarefa de identificar e demarcar terras indígenas.

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, já deu um susto na diplomacia mundial com suas ideias esdrúxulas e nada politicamente corretas. Para ele, o aquecimento global é uma invenção do marxismo cultural.

Se é politicamente correto defender o meio ambiente, Bolsonaro tratou logo de desfazer esse mimimi de preservação das florestas. Depois de empossar como ministro do Meio Ambiente, o mesmo Ricardo Salles que é condenado por cometer crime ambiental quando secretário do Meio Ambiente no governo de Geraldo Alckmin, nomeia para chefiar o Serviço Florestal Brasileiro, agora também sob o guarda-chuva do Ministério da Agricultura, o deputado da bancada ruralista Valdir Colatto (MDB-SC).

O SFB é o principal responsável pela implementação do Cadastro Ambiental Rural, ferramenta criada na reforma do Código Florestal, em 2012, por meio do qual donos de terra têm de informar os dados de sua propriedade, como quanto do terreno é preservado e quanto foi convertido para uso agrícola. O CAR é considerado um dos principais instrumentos para impedir o desmatamento ilegal.

Não reeleito depois de sete mandatos, Colatto teve várias atuações contrárias ao CAR, defende a redução das áreas ambientais protegidas, é autor de um projeto que revoga a lei de crimes ambientais e de outro, pasmem!, liberando a caça da fauna silvestre no país.

Ele presidiu a Frente Parlamentar da Agropecuária e foi um dos propositores da CPI da Funai e do Incra, que criminalizou indígenas, antropólogos e até procuradores. E foi um dos deputados mais atuantes para tornar o Código Florestal menos restritivo do que ele era anteriormente.

Colatto também tem como prioridade ampliar o manejo florestal, ou seja, a exploração de madeira sob determinados critérios. “Temos 50 milhões de hectares desse tipo de floresta no Brasil e só 1 milhão é concessionado. Isso cabe ao Ministério do Meio Ambiente, mas não dá, está muito burocrático. Queremos fazer com que a concessão passe para o Ministério da Agricultura”, defende.

Como se não bastasse, o novo chefe do Serviço Florestal Brasileiro mantém terras improdutivas em um assentamento em Rondônia. A propriedade de mil hectares foi concedida durante a ditadura.

É o devastador tomando conta das florestas. Existe algo mais politicamente incorreto?