O Estado Brasileiro está doente


Dilson M. Barreto
Economista

Não é fácil encarar esta realidade, porém ela é verdadeira. O Estado brasileiro está doente em virtude de tantas atitudes extremamente equivocadas, muitas delas danosas à própria sociedade, seja no campo político, econômico ou moral. No campo político, o que se vê é a ânsia insaciável dos políticos por cargos e posições de destaque, com o olhar voltado tão somente para seus interesses pessoais. Aproveitando a fragilidade do Presidente interino justamente pelo fato de sua interinidade e em função da demora do julgamento final sobre o afastamento da Presidente Dilma Rousseff, usam de todos os tipos de chantagem para obter as mais indecentes vantagens pessoais. Eles não estão preocupados com o País, com o restabelecimento da harmonia entre os Poderes e até mesmo entre seus pares, ou sobre o próprio futuro da sociedade.

Mesmo com as ameaças da operação “lava jato” que os vem cercando a cada dia, parece que perderam o medo da justiça ou sentem-se superiores a ela e tudo continua como dantes no quartel de Abrantes. Troca de favores, benefícios financeiros futuros, cargos para seus apaniguados independente de capacidade profissional para o exercício da atividade pleiteada, isso não importa. Some-se a esse conjunto da ópera bufa, uma massa imensa de pequenos partidos de aluguel sem conteúdo programático consistente, de olho apenas no recebimento da parcela do fundo partidário e na próxima venda do seu tempo na TV quando do reinício do período eleitoral, deixando explicito a precariedade do sistema político brasileiro e evidenciando que o filme continua o mesmo, acompanhado de com todos os vícios do passado. Como diz o ditado popular, o vício do cachimbo deixou seus usuários com a boca torta.

Na área econômica, mesmo com a credibilidade da equipe nomeada pelo Presidente interino Michel Temer, todavia, por maiores que sejam seus esforços, os políticos continuam realizando suas peripécias aprovando leis que concorrem para aumentar o gasto público e com isto elevar o déficit fiscal que tende a se estender por mais dois ou três anos sempre em maior monta, caso a sangria não seja estancada. A interinidade prolongada também contribui para o crescimento da despesa pública, isto porque, para ganhar a permanência no poder vale a perda de escrúpulo e as negociações com Deus e com o diabo. Os juros elevados ajudam a aumentar a gravidade da doença, afastando consumidores e investidores do leito do doente, temerosos de contaminação. Apenas os médicos do pronto socorro financeiro visitam o moribundo com um largo sorriso de felicidade, agradecidos pelos imorais lucros apurados a cada semestre.

No campo moral, a coisa se agrava ainda mais: são poucos os políticos que prezam pela moralidade e até mesmo, de forma agressiva, zombam dela, embalados justamente na certeza de sua impunidade, o que lhes garante o direito de sobrepor-se aos costumes morais e éticos. É uma agressão que constrange todos aqueles que têm consciência do seu verdadeiro papel como cidadão e que se sentem amordaçados frente a tanta insanidade. O pior: tudo leva a crer que a própria sociedade já está se acostumando a conviver com esses desajustes, não mais reclamando ativamente sua correção, sob a falsa crença de que sempre foi assim. Os movimentos de rua amornaram num claro sinal de que não vale a pena persistir gritando, levantando bandeiras ou batendo panelas. Entraram num processo de letargia ao constatarem que os políticos são surdos e sínicos para com suas vozes. Tudo indica que os remédios aplicados para a cura do doente, ou pelo menos permitir uma certa reabilitação do seu organismo extremamente fragilizado, têm demonstrado pouca eficácia.

De outro lado, à debilidade do Estado brasileiro soma-se, com maior gravidade, a violência, aumentando o estado de coisas que enfraquece a democracia e leva o cidadão a tornar-se presidiário de si mesmo. A precariedade do sistema de segurança pública faz crescer a escalada de violência nas ruas levando ao assassinato injustificado de cidadãos por marginais cada vez mais ousados e agressivos, a maioria dominados pelo vício das drogas, cujo consumo aumenta a cada dia sob o olhar complacente das autoridades. Maiores e menores infratores, assaltam e matam cidadãos de todas as classes sociais, ficando na maioria das vezes impunes, amparados por uma legislação incompatível com a realidade em que vivemos. Por não encontrarem atração no sistema escolar e revoltados pelos desajustes familiares e carência de emprego, menores assaltam e matam pessoas, ao ponto de tornarem-se marginais socialmente irrecuperáveis e cuja agressividade aumenta à medida que se especializam na criminalidade.

Amparados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e pela falácia dos direitos humanos, ficam impedidos de trabalharem, aprenderem com os pais uma profissão, sob o falso moralismo de que o lugar da criança é na escola, quando esta não os acolhe nem lhes dão dignidade. De igual modo, a nova pedagogia eliminando a chamada “palmatória”, impede os pais de exercerem maior disciplina sobre os filhos, educando-os para a vida, concorrendo assim para o processo de inversão dos valores familiares: o filho passa a agredir o pai e este torna-se refém do filho. Desprovidos da proteção familiar, do trabalho e da escola, passam esses menores a conviverem com as drogas, ingressando assim na escola da marginalidade cujos professores são os contraventores marginais de idade adulta. Aliado a tais fatos, despontam as instituições que tratam do direito da família que simplesmente transferem a culpa desse estrado de coisas para o Estado, sem apontarem quaisquer soluções efetivas e plausíveis para a problemática. Agravando ainda mais a situação, numa prova cabal de falso moralismo, incriminam os agentes da ordem e da segurança quando, no cumprimento do dever, são obrigados ao uso da força, acusando-os de ferirem os direitos da pessoa humana, passíveis, portanto, de punição, invertendo-se desta maneira a roda da vida: não são eles os agressores, os assassinos, porém aqueles que os combatem em nome da segurança e da paz social.

Essa doença está evidenciada na degradação moral e dos costumes, fragilizando fortemente os instrumentos que dão sustentação à nossa democracia. De tudo isto aqui analisado, dois pontos merecem atenção: o primeiro diz respeito à necessidade de realização de sérias mudanças no arcabouço jurídico-institucional do País, capaz de reorganizar o seu sistema político-partidário, elevando-o ao patamar da decência e da dignidade que deve possuir todo representante do povo; em segundo  lugar, ou se muda o olhar quanto à interpretação das leis, seus aplicadores eliminando o falso moralismo e o injustificado protecionismo, ou a impunidade e a desordem continuará dominando a estrutura social, penalizando  cada vez mais a população. Se nada disso for realizado, a saúde do Estado brasileiro continuará se agravando sem qualquer esperança de recuperação no curto prazo.