Dilson M. Barreto
Economista
O objetivo deste artigo é tentar relacionar os efeitos do salário mínimo sobre a economia brasileira e suas consequências sobre o nível de emprego, especialmente agora em que se vivencia um longo processo recessivo com poucas perspectivas de recuperação no curto prazo. Dou início ao mesmo procurando definir o seu significado, para tanto recorrendo ao economista clássico David Ricardo, ao tratar do salário do trabalhador. Para ele, este salário deveria ser aquele necessário para que o trabalhador “subsista e perpetue sua descendência, sem aumento ou diminuição”. Segundo seu entendimento, este salário estaria representado pela quantidade de bens de primeira necessidade e materiais de conforto necessários à sustentação do trabalhador e de sua família, dependendo para tanto dos costumes locais.
O salário mínimo assim definido corresponderia ao salário real e, traduzido em termos monetários, corresponderia à quantidade de bens usufruídos pelo trabalhador e sua família multiplicado pelo preço de cada bem relacionado. Por sua vez, o salário nominal corresponderia ao valor corrente pago pelo mercado ao trabalhador. Assim, quando o salário real fosse menor do que o salário nominal, o padrão de vida dos trabalhadores se elevaria, isto por que os mesmos disporiam de mais dinheiro para complementar sua existência em termos de aumento do padrão de vida. Ao contrário, quando o salário real fosse maior do que o salário nominal (aquele que efetivamente é recebido pelo trabalhador), significaria dizer que este teria uma redução no seu padrão de vida, necessitando sacrificar alguns itens da sua cesta de bens até então adquiridos, para garantir sua sobrevivência e de sua família.
No Brasil, o objetivo do salário mínimo instituído durante o Estado Novo por Getúlio Vargas, era justamente garantir a subsistência mínima do trabalhador e de sua família, preservando o seu poder de compra e bem-estar mínimo. Ao mesmo tempo, procurava o Governo, com a citada legislação, impedir que as empresas remunerassem o trabalhador abaixo do mínimo fixado e se apropriassem de um sobre-valor superior ao que deveria ser o lucro normal da atividade produtiva. A filosofia era praticamente a mesma concebida por David Ricardo, só que se estabelecia agora uma cesta básica dimensionada como capaz de dar sustentabilidade mínima ao trabalhador e sua família, esta concebida como mulher e dois filhos, considerado, à época, uma determinada realidade social em termos de hábitos de consumo e padrão mínimo de vida projetado como fundamental à existência dessa família. Contudo, em nenhum momento pensou o governo, com o estabelecimento de tal medida, garantir o aumento dos níveis de bem-estar dos trabalhadores, mas tão somente conservar o padrão mínimo entendido por ele como socialmente justo. Da mesma forma não foram estabelecidas garantias para que o valor do salário fixado fosse atualizado nos mesmos termos e mantivesse, ao longo da sua existência, a mesma política de preservação do padrão de vida requerido para o trabalhador viver com dignidade. Com isso, a metodologia adotada em 1940 foi perdendo seu valor histórico.
Com o passar do tempo, perderam-se as referências de valores entre a cesta básica concebida como adequada à preservação das necessidades mínimas do trabalhador e de sua família, bem assim a necessidade de inclusão de novos itens que deveriam ser agregados justamente em função da evolução da sociedade e de seus novos costumes. Na realidade, o conceito de cesta-básica foi abandonado e a fixação do valor do salário mínimo passou a ser estabelecido mediante a pura e simples correção da inflação que nem sempre correspondia, em termos comparativos, aos preços vigentes dos bens e materiais de conforto utilizados rotineiramente pelo trabalhador para garantia de suas necessidades mínimas de bem-estar e de sua família. Segundo estudos realizados pelo DIEESE, o valor do salário mínimo em 2002 atualizado utilizando-se a mesma metodologia de 1940, deveria ser de R$ 822,17 (o valor efetivamente recebido pelo trabalhador naquele ano foi de R$ 200,00). Observa-se assim que o valor real do salário mínimo foi se distanciando do valor nominal efetivamente pago ao trabalhador, contribuindo para a deterioração do seu padrão de vida, especialmente se o mesmo não dispõe de habitação própria. Adiciona-se a esta situação a iniciativa do próprio empresário em repassar imediatamente o citado valor para os preços das mercadorias produzidas, anulando consequentemente qualquer tentativa de ganho real. Numa economia com elevado índice inflacionário e de recessão, a perda real do seu valor acentua-se ainda mais, contribuindo fortemente para a degradação desse padrão. Neste caso, a luta do trabalhador é pela preservação do seu emprego e não pelo valor do salário.
Numa economia em crescimento, à medida que a mão de obra adquire certo nível de escolaridade e coincide o interesse pela especialização profissional tanto do lado da oferta como do lado da demanda de emprego, os salários tenderiam a se elevar, isto porque as empresas estariam dispostas a pagar mais face à obtenção de trabalhadores melhor qualificados e o próprio trabalhador estaria também disposto a qualificar-se em razão da perspectiva de um novo e atraente salário. Neste caso haveria ganhos de bem-estar e melhoria do padrão de vida dos trabalhadores, isto porque a incidência do custo da folha de pagamento dos salários seria compensada proporcionalmente pelo aumento da produtividade do trabalhador, tornando menos penoso para o empresário o seu repasse para o reajuste dos preços, sem afetar suas margens de lucro. Tal estrutura salarial promoverá, com certeza, uma maior expansão e diversificação da atividade econômica quanto à oferta de bens e serviços.
A partir do Governo do Presidente Lula, houve a iniciativa de alteração dos mecanismos de fixação do salário mínimo, concedendo-se reajustes em percentuais acima da inflação e com ganhos reais de produtividade para o trabalhador, o que representou um ato de justiça social, contribuindo para a queda da desigualdade de renda e com isto o resgate gradativo do seu padrão de vida, garantindo melhor bem-estar para ele e sua família. Todavia, a forma como a economia continua indexada e os problemas financeiros enfrentados pela previdência social afetando as contas públicas (benefícios previdenciários e assistenciais), impedem que os novos valores venham contribuir para o atingimento dos objetivos pretendidos. Por outro lado, o que é mais grave, numa economia em recessão prolongada, o nível de desemprego aumenta consideravelmente, afetando tanto a oferta como a demanda por salários, com tendência para sua redução, ameaçando o padrão de vida dos trabalhadores. Aliado a esta questão, a existência de taxas de inflação elevadas, concorrem não somente para que o valor nominal do salário diminua, como também o seu valor real, isto devido ao fato de que o mesmo salário recebido não será capaz de adquirir a mesma quantidade de bens anteriormente consumido. Para o DIEESE, o valor do salário mínimo ideal para que o trabalhador e sua família vivesse com dignidade e pudesse desfrutar e um razoável nível de bem-estar seria o equivalente a R$ 3.700,00, bastante distanciado do atual valor fixado pelo Governo: R$ 880,00 (4,2 vezes). A solução está na promoção do crescimento da atividade econômica aliado à introdução de inovações tecnológicas no processo produtivo, pois, com tais medidas, além do aumento da produtividade, virão também a expansão do emprego, o declínio do processo inflacionário e a continuidade da política de valorização do salário mínimo.