MEI: Cuidado com a responsabilidade


Por Tiago de Oliveira

Com essa taxa altíssima de desemprego, em outubro de 2019 foi de 11,8%, os brasileiros tendem a buscar formas alternativas de sobrevivência. O empreendedorismo, muito mais incentivado pela ausência de oportunidades do que pela abundancia delas, pode ser uma armadilha para incautos que busquem encontrar o seu lugarzinho ao Sol (ou melhor, sob a sombra). Muitos empreendedores embarcam na atividade econômica de forma autônoma, outros preferem um mínimo de formalismo e segurança através do instituto do Micro Empreendedor Individual ou, simplesmente, MEI, contudo quando o assunto é responsabilidade empresarial não existe muita distinção entre essas duas modalidades.

Inicialmente é necessário entender que o nosso Código Civil, lá no seu artigo 966, define empresário: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens”. Observe que a lógica da Lei busca em sua definição, um escopo amplo. Quase todos nós somos empresários. Pois bem, apenas sobre essa lógica de empresário seria possível tecer um corolário de ponderações argumentativas, mas não foi a isso que o artigo se propôs.

Vamos nos limitar a erudir uma ultima definição. O paragrafo único do artigo 927 do mesmo Código Civil traz outra norma fundamental para o desenvolvimento do argumento desse texto. Vamos a ele: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. O texto traz uma inovação (a época) estabelecendo a Teoria da Responsabilidade Objetiva e consequentemente inaugura a construção da Teoria do Risco.

Teorias a parte, de forma prática, todos sabemos que o dano causado pela empresa é passível, exigível até, de indenização. Oras, paguei um gerador, faltou energia porque ele não funcionou, a empresa restitui a festa, no mínimo; alguém clonou o meu cartão, sem minha culpa, o banco arca com o prejuízo. Temos milhares de exemplos que podem ser avençados, também podemos usar a mesma lógica para concluir que uma criança que entra em uma loja e quebra um vaso não pode ser punida (nem seus Pais), pois é um risco inerente a atividade da loja.

Esse risco, normalmente, é compensado com a responsabilidade limitada de uma empresa. Ou seja, no caso de uma Sociedade, ou de uma EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada), o máximo que pode acontecer é limitar o prejuízo ao valor da empresa e tudo fica no “elas por elas” (o que não é pouca coisa), mas e no caso do Autônomo e do MEI? Então, nesses casos a responsabilidade deles permanece objetiva e também é ilimitada, podendo atingir o patrimônio do “empreendedor” sem uma limitação específica. Em síntese, ele pode perder tudo.

Com isso, em tese, uma execução tributária pode atingir os bens, uma ação por indenização ou qualquer outro infortúnio poderá, além de encerrar a possibilidade de subsistência da empresa, atacar o patrimônio pessoal do empresário e, se casado em comunhão de bens, do cônjuge deste. Longe de buscar jogar água fria nas aspirações empreendedoras dos amigos que leem essas linhas, procuro aclarar uma perspectiva que deve ser levada em consideração ao se decidir sobre empreender, inclusive lançar mão sobre possibilidades para contornar esse risco, como considerar a constituição de outro tipo de empresa, ou, eventualmente, mudar o regime do casamento, a fim de resguardar partes dos bens.

Estratégias a parte, o busílis (para usar uma das palavras preferidas do Jurista Lenio Streck) é que nosso sistema jurídico não é exatamente direcionado para amadores, algumas possíveis consequências dos negócios tem que ser levadas em consideração e, a depender do risco do negócio, tem que ser antecipadas para não tornar o sonho de um negocio, ou apenas da subsistência, em um amargo pesadelo de verão. Um sábio, certa vez, disse que para quem não sabe as consequências, tudo é fácil, para quem só tem martelo, tudo é prego. Cuidado com essas armadilhas, não custa conversar com pessoas mais experientes e, principalmente, com advogados que saibam o que estão fazendo.