Do crime do porteiro


por Tiago Nunes de Oliveira

As voltas com “circus brasilians”, cujo espetáculo por vezes causa inveja as maiores bizarrices produzidas, recordo da sequencia de filmes “Todo Mundo em Pânico”, como analogia ao nosso cenário atual, exagerado, confuso e sem graça. Pois bem, ouve-se o ressoar das redes sociais e da mídia trazendo a novidade: o Ministro da Justiça (mantenho em maiúsculo já que o cargo é maior que a pessoa que ocupa atualmente) determina inquérito de denunciação caluniosa, entre outros, de um porteiro que ousou contar um fato diferente do que era esperado pela pantomima do Presidente.

Ora, me questiono sobre sanidade. Não a dos outros, já que aparentam normalidade, mas a minha que, ao que parece, não aprendeu nada na Faculdade de Direito. Queria ver uma aula atual do professor Helder, ou da professora Aline explicando o novo processo penal, aprovado, aparentemente, inicialmente em Curitiba, em meados de 2016, acredito, e replicado para o resto do País.

Entre tantos absurdos, me coloco no lugar do porteiro. De maneira prática ele apenas respondeu o questionamento feito por um agente legal (espera-se) e narrou fatos como aconteceram ou como ele acreditou ter acontecido. Isso não é crime, pelo contrário, é o desenvolvimento normal de um processo investigatório. Na minha humilde opinião, não é o porteiro que deve ser representado, mas quem excedeu seu dever funcional vazando informações que comprometeram o procedimento investigatório.

No curso regular de uma investigação o denunciado se insurge nos autos, demonstra no curso do processo criminal sua inocência e, caso haja grande mácula a sua honra recorre à justiça, esfera civil, pedindo reparação monetária. Não se pode usar o poder do Estado, ou da Justiça, em uso arbitrário das próprias razões. Os poderes constituídos são o norte do Estado Democrático de Direito, não ferramenta familiar a desserviço de manhas e choramingos dos amigos do condomínio.

Qual a mensagem que esse espetáculo transmite para a população? Respondo: “fique calado”, “não colabore”, “se você disser besteira a Policia Federal vai interrogar você”. Ou seja, o processo penal não mais existe, foi subvertido a vontade autoritária, as competências deixaram de existir e a colaboração (tão valorada em um passado recente) pode trazer grande prejuízo para uma testemunha.

Defesa se faz nos autos de um processo. Que deve ser justo, equânime, paritário. Não se pode tolerar que um processo seja levado a cabo com objetivo cruel de destruir um sistema politico, mas também não se pode supor que é justificável usar o peso do Estado para proteger, blindar, agentes. Vivemos em tempos confusos onde nunca fez tanto sentido a máxima maquiavélica “aos amigos os favores, aos inimigos a Lei” (ou pior).