O desemprego e os desafios do novo paradigma de produção e trabalho


Por Sudanês B. Pereira

A última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que a taxa de desocupação no trimestre encerrado em novembro de 2019, foi de 11,2%, ou seja, representando 11, 9 milhões de desempregados (pessoas que procuram emprego, mas não encontram) no país. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC).

Outro dado agravante que a PnadC revelou, está relacionado ao número de trabalhadores subutilizados. Em novembro, cerca de 26,6 milhões de pessoas estavam subutilizadas. Nessa categoria, estão três grupos de trabalhadores: os desempregados; os empregados que gostariam e poderiam trabalhar mais horas; e as pessoas que não estão procurando emprego, mas se consideram disponíveis para trabalhar.

A informalidade é outro problema na economia brasileira. A taxa de informalidade, que considera todas as ocupações informais, foi de 41,1%, com isso, cerca de 38,8 milhões de pessoas estavam vinculadas a ocupações informais no trimestre encerrado em novembro. O ciclo de desemprego e informalidade da economia brasileira já dura cinco anos, revelando a natureza da recessão que a economia vem passando, e a dificuldade de retomada sustentável da economia brasileira. Ainda, a informalidade não se restringe a um único setor da economia, ela está em todas as atividades econômicas.

O que fazer com essas pessoas que estão fora do mercado de trabalho formal? A nova economia está mostrando que a natureza do trabalho vai mudar, e os requisitos exigidos pelo novo paradigma de produção e trabalho estão apontando para novas habilidades, competências e áreas de conhecimento diferentes do paradigma atual.

Dentro desse contexto, os formuladores de políticas públicas, educadores e empresas; precisam pensar quais são os possíveis caminhos para melhorar as habilidades e a transição dos trabalhadores fora de ocupações em risco de declínio, além daqueles que estão desempregados.

Estudos das consultorias McKinsey, Boston Consulting Group (BCG), Banco Mundial, OCDE, entre outros, mostram que as próximas duas décadas prometem uma revolução em larga escala no mundo do trabalho e das profissões. O que estamos observando hoje com relação ao mercado de trabalho global?

Para além do desemprego no Brasil, a edição do Global Employment and Social Trends, 2019 – Emprego Global e Tendências Sociais (2019), da Organização Internacional do Trabalho (OIT), analisa em detalhes as principais tendências recentes dos principais indicadores do mercado de trabalho.

O estudo revelou que em 2018 a população em idade ativa global, composta por mulheres e homens com 15 anos ou mais, era de 5,7 bilhões. Destes, 3,3 bilhões de pessoas, ou 58,4 por cento, estavam empregados e 172 milhões estavam desempregados. Ambos os grupos juntos constituem a força de trabalho global, portanto, era de 3,5 bilhões em 2018.

Os 2,2 bilhões de pessoas restantes (38,6%) em idade ativa estavam fora da força de trabalho, incluindo os que se dedicam à educação e ao trabalho não remunerado, e os que se aposentam. Dentro deste grupo, 140 milhões estavam na força de trabalho em potencial (ou seja, pessoas que estão procurando emprego, mas ainda não estão disponíveis para aceitar emprego, ou que estejam disponíveis, mas não estejam procurando emprego). Esse é o capital humano global subutilizado. Os desafios são muitos.

Em artigo publicado no Fórum Econômico Mundial[1], Bernadette Wightman chama atenção para o fato de que, somente em 2022, 75 milhões de empregos provavelmente serão deslocados nas 20 principais economias do mundo, enquanto 133 milhões de novos surgirão em indústrias que estão apenas ganhando força, vide as startups. Ao mesmo tempo, estima-se que quase dois terços das crianças que começaram a escola em 2016, terão empregos que ainda não existem.

Antes de olharmos para os próximos 20 anos, vamos dar uma rápida olhada no presente – e algo que já foi considerado paradoxal. Já estamos vivendo na era de muitos robôs.

Os indicadores sobre a utilização de robôs mostram uma realidade atual, e não mais do futuro. De acordo com o Sumário Executivo do World Robotics 2019 – Industrial Robots, da International Federation of Robotics (IFR), as instalações globais de robôs alcançaram 422.271 unidades em 2018 (ver gráfico abaixo), correspondendo a um valor de US $ 16,5 bilhões (sem software e periféricos). O estoque operacional de robôs foi calculado em 2.439.543 unidades (+15%). Desde 2010, a demanda por robôs industriais aumentou consideravelmente devido à tendência contínua por automação e inovações técnicas contínuas em robôs industriais.

Gráfico 1. Instalações Anuais de Robôs Industriais 2013-2018 (em mil unidades)

Fonte: IFR: World Robotics, 2019.

O que vai determinar com mais propriedade a utilização dos robôs inteligentes para as linhas de produção fabril, e além, é o rápido desenvolvimento tecnológico, considerando aí a inteligência artificial (IA).

O que é possível encontrar hoje que está moldando a fábrica do ‘futuro’:

  • Componentes mais inteligentes, por exemplo garras inteligentes
  • Maior conectividade, a exemplo de interfaces “plug &pPlay” e computação em nuvem.
  • Tecnologias que facilitam a usabilidade, a “programação por demonstração” entre outros.

O que podemos esperar para o ‘amanhã’:

  • O “aprendizado da máquina “ou “machine learning” permite robôs a:
  • aprender por tentativa e erro ou por demonstração em vídeo.
  • auto-otimizar.
  • se comunicar com outras máquinas para melhorar processos inteiros.
  • Novos modelos de negócios, por exemplo Robôs como Serviço (RaaS): uma unidade de computação em nuvem que facilita a integração perfeita de dispositivos robóticos e incorporados ao ambiente de computação na Web e na nuvem.

O relatório da IFR deixa claro que a 4ª revolução industrial, conhecida também como indústria 4.0, já está ocorrendo em larga escala e em diversas parte do mundo, com implicações profundas nos impactos para o desenvolvimento econômico, nas novas fronteiras da economia (digital, em particular), na geopolítica de poder econômico, e no mundo do trabalho.

Aqui no Brasil já estamos com escassez de profissionais qualificados e talentos para preencher vagas de trabalho, em especial nas áreas de tecnologia da informação e na maioria de seus segmentos. A mudança tecnológica continuará aumentando, portanto, aprender novas habilidades será uma necessidade contínua ao longo da vida. Isso não é capacitação, é aprendizagem ao longo da vida.

A discussão mais construtiva não é se haverá ou não mudanças, mas o que devemos fazer para garantir os melhores resultados, dada a dinâmica do desemprego atual e o novo paradigma de produção.

Diante dessa nova realidade, como é possível preparar adequadamente a força de trabalho do amanhã, ao mesmo tempo em que é necessário requalificar as centenas de milhões de pessoas cujo trabalho está evoluindo?

A rápida mudança tecnológica que estamos assistindo, está mostrando que as pessoas que operam máquinas em constante evolução precisam aprender novas habilidades – e rapidamente. Nosso sistema educacional atual não consegue se adaptar às mudanças necessárias que a nova dinâmica da indústria 4.0 está a exigir.

Para além do universo fabril, o novo paradigma de trabalho está apontando para a necessidade de novas habilidades, habilidades essas que um diploma por si só não garante as competências necessárias. O nosso universo educacional precisa repensar a qualificação das pessoas, seus currículos e integrar as grades curriculares, habilidades nas quais as máquinas não são boas, quais sejam, as soft skills, as demandas que não encontradas no ensino técnico, ou as habilidades cognitivas, ou ainda, competências comportamentais: liderança, inteligência emocional, criatividade, capacidade de resolver problemas, habilidades interpessoais, colaboração, persuasão e negociação. As habilidades softs são tão importantes quanto as habilidades hard ou técnicas.  É importante ter um equilíbrio entre as duas.

Outro fator importante a ser objeto de políticas públicas de trabalho e inclusivas, diz respeito a programas que observem às questões de gênero. O estudo ‘World Employment and Social Outlook: Trends 2019’, da OIT, revelou que a taxa de participação das mulheres na força de trabalho foi de 48% em 2018, em comparação com 75% dos homens, significando que cerca de três em cada cinco dos 3,5 bilhões de pessoas no mundo da força de trabalho em 2018, eram de homens.

Para finalizar, o desafio é ainda maior para o Brasil. Os desafios em relação ao novo paradigma de produção e trabalho são muitos. Em relação especificamente ao trabalho, é necessário pensar à sua qualidade, o desemprego e a desigualdade de gênero, que são desafios universais. No entanto, os desafios específicos diferem dependendo da região e do nível de desenvolvimento do país. Nos países de baixa renda, as relações de emprego com muita frequência nem sequer capacitam as pessoas para sair da pobreza.

É imprescindível a elaboração de políticas públicas para a formalidade, o acesso aos sistemas de seguridade social, a segurança no trabalho, e a negociação coletiva e o cumprimento das normas e direitos trabalhistas, em especial nos países em desenvolvimento. Garantir esses ganhos é, portanto, um grande desafio que os formuladores de políticas públicas deve enfrentar.

 

Sudanês B. Pereira

Economista

Relações Institucionais e Governamentais