A Uber, a mobilidade urbana e o direito do consumidor


Sudanês B. Pereira
Economista; Assessora de Economia e Assuntos Legislativos da Fecomércio-SE. Membro da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig)

A economia digital, ao longo dos últimos anos, vem modificando a estrutura de mercado e introduzindo novos modelos de negócios. Na nova economia, empresas e negócios digitais nem sempre precisam de grandes espaços físicos ou mesmo várias pessoas para funcionarem. Há seis anos no mercado e presente em 68 países, o modelo de negócio da empresa Uber, que vale cerca de US$ 50 bilhões, está mexendo com parte significativa do segmento de transporte individual (táxi) onde a empresa se instala. Recentemente, houve manifestações pela proibição da utilização do aplicativo, e criação de barreiras à entrada do novo serviço em diversas capitais do país. Essas manifestações não se restringem ao Brasil, aconteceram na França, nos Estados Unidos, Alemanha, e outros países.

Quais são os serviços oferecid0os pela Uber? De acordo com o site[1] da empresa, “os serviços são disponibilizados por meio de uma plataforma tecnológica que permite aos usuários das aplicações móveis ou web sites da Uber, organizar e agendar serviços de transporte e/ou logística prestados por terceiros independentes, incluindo fornecedores de serviços de transporte e de logística independentes, por meio de contrato com a Uber ou determinadas afiliadas da Uber (“Prestadores Terceiros”)”. Ainda, segundo a Uber, salvo acordo em contrário, por escrito, entre a Uber e o Usuário, os serviços são disponibilizados unicamente para o uso pessoal, e não comercial, pelo usuário.

Além desses esclarecimentos, o site informa a respeito de outros temas importantes vinculados a seus serviços, como direitos autorais, privacidade, política de segurança, termo do usuário (relação contratual), e outros.

Em economia, a entrada de uma nova empresa causa impactos na estrutura de mercado e mexe com a concorrência. Além disso, estimula às empresas a pensar em diferenciação de produtos, e, inclusive, barreiras à entrada. Isso é o que estamos vendo no Brasil, no caso da entrada da empresa Uber e seu aplicativo.

Proibir a entrada de um novo serviço não vai, necessariamente, impedir num futuro próximo a sua viabilidade. Em se tratando de serviços oriundos da nova economia digital, é ainda mais difícil, pois são serviços que possuem sua funcionalidade construída para gerar demandas novas, sejam serviços ou produtos.

A maioria dos municípios que estão se posicionando a respeito da entrada do Uber em seus mercados, ainda não possuem um entendimento, de fato, sobre o serviço prestado pela empresa, podendo incorrer em decisões equivocadas e deixando o cidadão sem a oferta de uma nova alternativa de serviços de transporte individual.

Um estudo elaborado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE[2] sobre a Uber, em seu período de entrada e sedimentação em algumas capitais do Brasil[3],  chegou à seguinte conclusão: “…a análise do período examinado, (…), demonstrou que o aplicativo, ao contrário de absorver uma parcela relevante das corridas feitas por táxis, na verdade conquistou majoritariamente novos clientes, que não utilizavam serviços de táxi. Significa, em suma, que até o momento o Uber não “usurpou” parte considerável dos clientes dos taxis nem comprometeu significativamente o negócio dos taxistas, mas sim gerou uma nova demanda.” Segundo o documento do CADE, as evidências sugerem que estamos lidando com a criação de um novo mercado. Ou seja, pelo menos, nesse primeiro momento, a Uber está respondendo a uma demanda que não estava sendo atendida pelo serviço de táxi convencional. A contribuição do CADE é relevante, em especial, para dissipar impressões errôneas sobre a entrada da Uber no mercado brasileiro.

O desafio dos gestores públicos é fazer uma gestão equilibrada e regulada entre os setores envolvidos, transporte público, transporte individual, direito de escolha do consumidor e fazer funcionar de forma eficiente e eficaz a mobilidade urbana nas cidades. Para além de criar uma nova demanda por transporte individual de passageiros, com base no uso aplicativo, a Uber, de fato, está produzindo mudanças significativas no padrão de: a) a regulação de mobilidade urbana (transporte individual privado de passageiros); b) a indústria automobilística – não perceberam ainda que a Uber tem impactado a indústria automobilística? Quando ela entra no mercado ela desloca um padrão de comportamento do cidadão/consumidor e mexe no quesito propriedade de um bem (é mais prático e mais barato utilizar os serviços da Uber do que possuir um automóvel), ou seja, a indústria automobilística também foi pega de surpresa pela startup de aplicativo para automóveis. A Uber fez o cidadão/consumidor questionar se é vantagem possuir um automóvel ou não. As estatísticas internacionais e no Brasil estão mostrando que a demanda por carros vem caindo, por diversas causas – congestionamentos, mobilidade, queda da renda, impactos ambientais, etc. A resposta da indústria automobilística: aliar-se às empresas de tecnologia de informação (Apple, Google, Amazon, Intel, Microsoft etc), e sugerir, ou induzir o consumidor com os carros conectados e autônomos, com zero emissão, zero acidentes fatais; e c) o meio ambiente urbano – menos carros nas ruas, menos poluição, menos engarrafamento, menos estacionamentos e mais espaço para o cidadão nas cidades, entre outras mudanças derivadas. A Uber entrou em um mercado tradicional com um novo modelo de negócio. É isso que a tecnologia faz, quebra um padrão de negócio e coloca outro novo no lugar.

Considerando os pontos mencionados ao longo do texto, entende-se que:

1. É importante conhecer com profundidade o(s) serviço(s) ofertado(s) pela empresa Uber;

2. Ao conhecer o produto e suas funcionalidades, saberemos se o mesmo está infringindo alguma lei, ou o mercado;

3. Tendo em vista que a Uber está em várias cidades brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Rio de Janeiro, entre outras), é essencial conhecer as Leis que regulam os serviços nessas cidades;

4. Promover audiências públicas para disseminar informações (projetos de lei, leis já existentes, a relação contratual da Uber, entre outros assuntos), pode ser importante para contribuir com alternativas viáveis às cidades brasileiras;

5. É importante que o Poder Pública seja agente eficiente de uma política pública de transporte e mobilidade urbana, com a perspectiva de que os problemas urbanos, em especial de transportes, serão cada vez mais um desafio para as cidades contemporâneas;

6. Aracaju não pode e não deve tratar as soluções que as tecnologias de mobilidade urbana promovem, como uma ameaça, mas sim, conhecer as tecnologias e ter uma política regulatória que organize os mercados, e ao mesmo tempo, proteja o consumidor/cidadão;

7. Em última instância, quem faz a escolha de como se locomover é o consumidor/cidadão.

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[1] https://www.uber.com/

[2] “Rivalidade após entrada: o impacto imediato do aplicativo Uber sobre as corridas de táxi porta-a-porta”. ESTEVES, Luiz Alberto. Documentos de Trabalho 003/2015 – CADE, dezembro de 2015.

[3] O estudo não informa as capitais pesquisadas.