“Precisamos de mais investimento em infraestrutura e em reformas que melhorem o ambiente de negócios do país”


"Precisamos de mais investimento em infraestrutura e em reformas que melhorem o ambiente de negócios do país"
Otaviano Canuto, especialista em economia internacional - Imagem: Acervo pessoal

A afirmação é do economista Otaviano Canuto que aponta, em entrevista exclusiva para o Caderno Mercado, que os principais desafios para o crescimento do país passam pela mudança na composição e a qualidade do gasto público.

O especialista em economia internacional, que foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID e atuou ainda como secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp, prevê que a aproximação das eleições pode dificultar ainda mais o cenário de falta de interesse para investidores externos.

Quando o assunto é pandemia, Otaviano Canuto, baseado em Washington, DC,  membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute e professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University, aponta que a crise causada pela Covid-19 deixará cicatrizes. O Brasil deverá enfrentar as sequelas da pandemia – como fome, desemprego, o efeito sobre a educação e maior dívida pública.

 

CM: Por que o Brasil deixou de ser atraente para o capital internacional? O que preocupa os investidores externos sobre o Brasil?

OC: Há que se distinguir aqui, de um lado, os compradores externos de dívida pública brasileira que saíram a partir de 2015 por conta de juros mais baixos e das dúvidas quanto ao futuro da dívida e, de outro, investidores diretos externos e em papéis emitidos por empresas. Nesse segundo caso, a perspectiva de baixo crescimento econômico não tem ajudado o país a ser atraente.

 

CM: O período eleitoral se aproximando pode dificultar ainda mais o cenário?

OC: Sim, por conta das circunstâncias. A gestão de Bolsonaro não tem sido bem avaliada por investidores. O desempenho na entrega de resultados em termos de reformas tem permanecido baixo em relação ao prometido na posse, além dos sinais contraditórios emitidos pelo atual presidente no que diz respeito à economia e ao setor público. A instabilidade política associada a suas ameaças quanto às instituições também vem pesando. A gestão ambiental vem colocando riscos de punições comerciais da Europa e dos Estados Unidos e isso vem afetando negativamente o investimento em atividades intensivas em uso de recursos naturais. Por seu turno, o candidato hoje visto como o mais provável opositor nas eleições, o ex-presidente Lula, ainda não deixou claro se sua orientação econômica seria mais próxima daquela de seu primeiro governo ou do segundo.

 

CM: O real não recuperou uma boa parte do valor que perdeu durante o auge da pandemia, diferentemente de outros mercados emergentes. Qual a explicação?

OC: O capital que saiu do país durante o choque financeiro da pandemia, em março do ano passado, não retornou integralmente, por conta dos fatores que mencionei em sua pergunta anterior. Diferentemente do caso de outras economias emergentes. Por isso tem-se o paradoxo de taxa desvalorizada de câmbio, com impacto na inflação doméstica, ao mesmo tempo em que os saldos comerciais se beneficiaram de preços mais altos de commodities.

CM: Que análise o senhor  faz do Auxílio Brasil, programa social sucessor do Bolsa Família?

OC: A ausência de garantias de continuidade todo ano diferencia o Auxílio Brasil até aqui do Bolsa Família.

CM: A pandemia aumentou ainda mais a desigualdade. Desemprego, inflação que diminui o poder de compra do brasileiro, fome. Qual será o maior desafio do país? Esse quadro pode ainda ser agravado, principalmente pela expectativa de vivermos uma terceira onda da Covid-19 que hoje assola a Europa?

OC: Todos os cantos do mundo vivem a ameaça de novas ondas, principalmente onde a vacinação ainda não alcançou proporções significativas da população e onde políticas públicas sanitárias adequadas não sejam bem aplicadas. O maior desafio para o Brasil será duplo: cuidar das sequelas da pandemia – como fome, desemprego, o efeito sobre a educação e maior dívida pública – e não voltar ao ritmo de baixo crescimento que já prevalecia antes da pandemia.

 

CM: Quais serão os principais desafios para o crescimento do Brasil?

OC: Nos anos à frente, mudar a composição e a qualidade do gasto público. Precisamos de mais investimento em infraestrutura e em reformas – como a tributária – que melhorem o ambiente de negócios do país. Precisamos que nacionais e estrangeiros apostem mais em investir no Brasil, até porque nossa taxa de investimentos tem sido baixa. Adicionalmente, depois de termos melhorado o acesso a educação nas últimas décadas, precisamos melhorar sua qualidade técnica, porque essa importa muito para a produtividade.

CM: A economia poderá ser o fator decisivo nas eleições de 2022?

OC: Certamente. O desempenho da economia projetado para 2022 – baixo crescimento do produto, taxa de desemprego ainda permanecendo elevada – não é favorável à reeleição do presidente Bolsonaro.