Um dos destaques da Campus Party Brasil na sexta-feira (3), foi a palestra de Mitch Lowe, cofundador da Netflix. Em 1997, Lowe integrava a equipe que fundou a plataforma junto com Reed Hastings, atual CEO, e Marc Randolph. À época, o serviço funcionava como um hub de venda e aluguel de DVDs. Mitch ficou no time de 1997 a 2003 e acompanhou todas as transformações na indústria de vídeo e conteúdo no período. Hoje, comanda a MoviePass, espécie de “Netflix para cinema”, serviço pelo qual o consumidor paga uma assinatura em troca de ingressos ilimitados. Em entrevista, Mitch compartilhou suas visões sobre a indústria de conteúdo.
Começo da Netflix
No início, todo mundo dizia que era uma ideia estúpida, que ninguém iria querer receber filmes pelo correio. Eu estava em um voo em abril de 2002 e ouvi pessoas ao meu redor falando sobre a Netflix. Foi então que vi que era algo que poderia funcionar. Mas jamais imaginava que era uma empresa que criaria conteúdo original. O problema na época era que os estúdios tinham uma agenda para lançamento de filmes: primeiro ia para o cinema, seis meses depois para o DVD, três meses depois para o pay-per view e assim por diante. Os estúdios não nos apoiavam e, ao mesmo tempo, dependíamos deles. O sistema funcionava e gerava dinheiro para eles. Então, não gostavam de alguém que quisesse mudar o sistema ou fazer as coisas diferentes. Eles tinham acabado de lançar DVDs a um preço baixo e não gostavam da ideia de assinatura. Outro desafio era ensinar as pessoas que existiam outras formas de consumir filmes.
Público exigente
Não é difícil saber o que as pessoas querem, mas fazer com que te ouçam. Essa é a razão pela qual marcas como Google, Amazon e Apple estão começando a criar seus conteúdos exclusivos. Se você conseguir animar as pessoas com uma história ou um novo programa, e for o único a oferecer esse serviço, acaba chamando atenção para o seu negócio e outros produtos. A estratégia original da Netflix era abarcar todo o conteúdo possível e centralizar inventário físico ou através de streaming em um lugar onde pudesse armazenar tudo. Hoje, consumidores não querem isso porque têm opções demais. Portanto, querem conteúdo aos quais só podem ter acesso em um lugar e isso é uma grande mudança.
Inteligência artificial e dados
Biga data é o segredo de companhias como Netflix, que usam dados para entender o que as pessoas querem com muito mais nuances. Consumidores não querem só comédia, querem comédia sobre cinco assuntos diferentes. Existe um grupo no MIT que está tentando convencer roteiristas de TV a modificar levemente seus roteiros para atender às demandas das pessoas. É claro que a comunidade criativa não gosta de um cientista dizendo que ela deve falar sobre álcool em vez de drogas, por exemplo. O especialista sabe que um assunto terá maior demanda do que outro, então existe essa fricção entre a comunidade criativa e cientistas de dados, que querem convencê-los que sabem mais sobre histórias e roteiros. Já sobre inteligência artificial, não acredito que máquinas podem substituir o trabalho criativo, mas sim ajudá-lo. Criatividade é unica e não pode ser substituída.
Cinema e Moviepass
Eu amo ir aos cinema, gosto da imagem, de me assustar e ouvir as pessoas rirem à minha volta. O cinema, se comparado ao mobile e consumo doméstico, tem se mostrado o mais resistente à inovação. Nos últimos dez anos, nos Estados Unidos, o público de cinema se manteve mais ou menos estável e os estúdios e redes de cinemas continuaram a subir o preço dos ingressos. Vimos que as pessoas, principalmente as mais jovens, estavam indo menos ao cinema e assistindo a mais filmes em dispositivos mobile ou dizendo que “vão esperar sair no Netflix”. O que acontece no cinema é que o consumidor vê resenhas ou ouve indicações de amigos e, se não acha que vai ser bom, não vai. O Moviepass é basicamente o Netflix para cinema. Você paga um valor por mês e pode ir aos cinemas todos os dias. E as pessoas passaram a assistir a filmes independentes que não veriam se tivessem que pagar US$ 10 para ir. A ideia era tornar mais fácil e menos caro para que a pessoa não tivesse que decidir se valia ou não a pena gastar para ir ao cinema. Contudo, fazer com que esse modelo seja lucrativo não é fácil, pois nós pagamos o ingresso cada vez que alguém vai ao cinema.
Mundo criativo
É um momento muito interessante pra criativos, roteiristas e produtores de filmes, há muitos espaços para distribuir conteúdo. Como consumidores, não queremos mais histórias curtas, mas ver o desenvolvimento de personagens ao longo do tempo e bindge watch (ver tudo de uma vez) por meses. É um momento fantástico, mas também competitivo, porque existem tantas pessoas no mercado que é preciso ser bom para produzir. Se você é um cineasta ou criador de conteúdo, têm que ter histórias originais que sejam relevantes para as pessoas. O conteúdo nunca sai da forma como você espera. Pessoas podem ter interesse por um assunto em um momento e, na hora em que o programa sai, não têm mais. Já distribuidores ou empresas têm que encontrar algo que podem fazer melhor do que qualquer um, e não ser apenas mais um Netflix, Amazon ou Google.
Meio e Mensagem
Karina Julio