Debate compara experiência do Brasil e UE na regulação das plataformas digitais


Foto: Telesíntese/Reprodução

Debate reuniu críticos, consultores, autores e relatores de projetos de lei para serviços digitais e redes sociais. Encontro foi voltado a ouvir os principais desafios enfrentados pela União Europeia no tema

Autoridades que atuam no debate sobre a regulação das plataformas digitais na União Europeia reuniram-se na quarta-feira, 31, para responder questionamentos de parlamentares e consultores na Câmara dos Deputados sobre o tema. O debate resultou em uma comparação entre a experiência da UE e a tramitação do PL das Fake News, expondo as principais semelhanças e diferenças entre eles.

O seminário, Ciclo de Diálogo com a União Europeia / Brasil,  foi uma iniciativa do deputado federal João Maia (PL-RN), autor do projeto de lei que propõe taxar big techs e sugere a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) como responsável pelas regulamentações (PL 2768/2022). A matéria vem sendo tratada na Câmara como uma das etapas da discussão sobre as novas regras que devem ser estabelecidas na internet, neste caso, especificamente sobre tributação, ponto este que o PL das Fake News não trata.

Ministra conselheira da Delegação da União Europeia no Brasil, Ana Beatriz Martins, e o conselheiro técnico na Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER), Ricardo Castanheira | Foto: TV Câmara

Convidados para a exposição, participaram: a ministra conselheira da Delegação da União Europeia no Brasil, Ana Beatriz Martins, e o consultor especialista do Projeto Diálogos União Europeia/Brasil e conselheiro técnico na Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER), Ricardo Castanheira.

Veja os principais pontos do debate:

O que é conteúdo ilegal?

Questionado sobre a polêmica que ocorre no Brasil acerca da suposta possibilidade de uma entidade determinar o que é ou não ilegal e como essa questão se deu na União Europeia, Castanheira explicou que as definições nos países membros se baseiam nas leis já existentes.

“O Ato dos Serviços Digitais trata, essencialmente, de conteúdos ilegais. E pergunta e o que são os conteúdos ilegais? A resposta é muito fácil: o que está definido como ilegal nas normas nacionais de cada um dos 27 estados membros e o que é considerado ilegal nas diretivas e nos regulamentos europeus,  portanto aquilo que já está hoje definido como ilegal é ilegal e esse é o objeto que está no escopo do lado dos serviços digitais”, detalhou o conselheiro.

Castanheira complementa que os países evitaram “entrar na discussão do chamado conteúdo nocivo, que é algo que não sendo ilegal é nocivo, perverso e complexo”.

A equiparação simples entre o que é ilegal no ambiente físico e digital é uma tese que já vem sendo defendida por alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, o PL das Fake News cita conteúdos “potencialmente ilegais”. Apesar deste ponto diferente, há outros entendimentos iguais aos da UE, o que Castanheira chama de “mecanismos para responder de forma indireta” a esse tipo de publicação.

O conselheiro chamou atenção para três mecanismos da UE:

1 – Código de conduta estabelecidos pelas próprias plataformas, mas com papel ativo da UE na construção e fiscalização

2 – Avaliação de riscos sistêmicos: significa que as próprias plataformas, de forma proativa devem analisar periodicamente se o conteúdo que está em seu ambiente pode gerar riscos sistêmicos (incluindo saúde pública, democracia, ambiente político e para questões de gênero, por exemplo)

3 – Auditorias anuais independentes.

Todos os três mecanismos presente nos atos da UE também estão previstos no mais recente parecer do PL das Fake News.

‘Ministério da Verdade’

A semelhança também se deu no mito do Ministério da Verdade. Castanheira destacou que exatamente o mesmo termo também foi usado na União Europeia.

“Nós lá usávamos uma expressão que era: ‘ninguém quer ser o Ministério da Verdade’. O ‘Ministério da Verdade’ é uma expressão que nós usamos e portanto nós tentamos fugir o máximo possível dessas questões, criando, toda a via, obrigações, ampliando muito o sentido de responsabilidade corporativa das próprias empresas”, ressaltou o conselheiro.

O Ministério da Verdade ou entidade equiparada também não é organização prevista no PL 2630/2020, mas copiada em campanhas contrárias ao projeto.

Quem diz o que não pode?

Os mecanismos de controle nos atos da UE levam em conta a autorregulação regulada, ou seja, a partir dos códigos de conduta elaborado pelas empresas, desde que seguindo diretrizes impostas pela Comissão Europeia.

Além disso, há o que é traduzido pelo conselheiro como os “guardiões da democracia”, que na prática é a possibilidade do cidadão denunciar conteúdos por meio das plataformas.

A possibilidade de denúncia via plataforma, por qualquer pessoa, assim como na UE também é regra prevista no PL das fake news, assim como regras de autorregulação regulada, a partir da previsão de que provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada poderão criar uma instituição de autorregulação voltada à transparência e à responsabilidade no uso da internet, desde que seguindo diretrizes, neste caso, do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br).

Tramitação

Castanheira destacou que as propostas levaram em conta algumas etapas. A primeira deças foi uma Avaliação de Riscos feita pela Comissão Europeia, com indagações ao mercado. Em seguida, uma consulta pública. E só depois, a proposta. “Significa que muita gente tem a oportunidade de intervir e participar”.

O PL das Fake News começou a tramitar no contexto da pandemia de Covid-19, no Senado Federal, em maio de 2020. A aprovação ocorreu direto em plenário, em junho de 2020, após o ajuste de quatro substitutivos.

Na Câmara, o projeto foi debatido entre julho de 2021 e março de 2022, incluindo audiências, em Grupo de Trabalho criado especificamente para o tema. O relator, Orlando Silva (PCdoB-SP), tentou aprovar regime de urgência ao texto diversas vezes, sem sucesso. Desde então, o texto foi atualizado mais quatro vezes incorporando recentes entendimentos da Justiça, novos debates no Congresso e sugestões de entidades compostas por especialistas no tema.

Fonte: Telesíntese