Guilherme Vieira: “Sem o agronegócio, estaríamos liquidados”


Guilherme Vieira: “Sem o agronegócio estaríamos liquidados, pois representa 52% da pauta de exportações”

ENTREVISTA | Guilherme Augusto Vireira – Doutor em História da Ciência

O Brasil precisa dar mais autonomia ao agronegócio. Os produtores pecuários devem se apropriar de conceitos das grandes empresas urbanas, com fizeram os produtores agrícolas. Falta empreendedorismo no Nordeste. A grande agricultura e a familiar precisam se aproximar, interagir para crescerem juntas. Essas são algumas afirmações do médico veterinário e doutor em História da Ciência Guilherme Augusto Vieira, que tem dedicado a vida ao estudo do agronegócio. Brasiliense, residente na Bahia há 30 anos, professor universitário e coordenador científico da Editora Prisma para Ciências Agrárias e Agronegócio, Vieira lançou recentemente o curso on-line “Agronegócio: verdades e mitos”, em que aborda, entre outros assuntos, os conceitos e a história do setor; sua importância econômica e o papel do consumidor. Segundo ele, o Brasil urbano precisa conhecer e valorizar o agronegócio, que representa 52% da pauta de exportações.

MERCADO – Mesmo em cenário de crise, a previsão é de que os agricultores brasileiros quebrem recorde de produção pelo sétimo ano consecutivo, com a colheita de mais de 210 milhões de toneladas de grãos. O que faz desse setor mais resistente às adversidades políticas e econômicas que enfrentamos?

GUILHERME AUGUSTO VIEIRA – A maior necessidade do ser humano é comer e o Brasil desenvolveu, ao longo de 180 anos, a maior tecnologia de produção pecuária e agrícola tropical do mundo. O boom do agronegócio não surgiu do dia para a noite. Se observarmos a história do Brasil, na Primeira República, de 1889 a 1930, o país foi sustentado por um sistema político e econômico em cima da produção de café e leite. De lá para cá, o Brasil vem batendo recordes de produção e produtividade das commodities agrícolas – principalmente milho, soja, café. Tudo isso foi fruto de muita pesquisa, muito trabalho, e esse agronegócio vem sustentando o país. Nós já estamos quebrados, mas sem o agronegócio estaríamos liquidados, pois ele representa 52% da pauta de exportações; 52% da população economicamente ativa do Brasil. Só para se ter uma ideia, o frango brasileiro está em 174 países, mas 70% são consumidos no mercado interno e os 30% exportados correspondem a 45% do frango do mundo inteiro. Isso explica por que nós, apesar dos problemas sociais, conseguimos fornecer comida para o mundo.

 M – Por que a pecuária não consegue manter o mesmo desempenho da agricultura?
GAV – A pecuária tem um reflexo da agricultura, mesmo sendo a “prima pobre”. O problema é que o produtor não tem a mesma mentalidade empresarial que o da agricultura, que trabalha com planejamento, metas, prazos. O produtor agrícola se apropriou dos conceitos da grande empresa urbana, já o pecuarista ainda fica regateando preço.

 M – Segundo o Ministério da Agricultura, o Nordeste registra valor bruto da produção agropecuária de R$ 45,5 bilhões. No Sul, o valor é de R$ 151 bilhões. É possível diminuir essa diferença? Que medidas seriam necessárias?

GAV – Não conseguiremos diminuir essa diferença enquanto tivermos o flagelo da seca, que compromete toda uma produção e produtividade da agricultura e da pecuária. Hoje, a produção pecuária dos Estados Unidos está toda no deserto porque as áreas de produção se tornaram áreas de grãos e mais produtivas. Já que o norte-americano, historicamente, teve uma produção voltada na logística, aproveitou os trilhos dos trens e levou água, gado de corte e grão para a região de deserto. Não tenho a menor dúvida que, daqui a 50 anos, o Nordeste brasileiro vai se equiparar à questão de produção pecuária e agrícola americana. Hoje temos verdadeiros seleiros de produção agrícola no oeste da Bahia, sul do Piauí, parte do Maranhão e região do vale do São Francisco. É uma questão política, econômica e de investimento. Falta a nós, nordestinos, sermos mais empreendedores.

M – O setor agropecuário critica o excesso de burocracia e as interferências do Governo Federal. Dá para acreditar numa competição livre como forma até mesmo de reduzir as taxas de juros?

GAV – É tudo o que o produtor quer. A grande agricultura, em termos de produção agropecuária, é financiada pela iniciativa privada. A agrícola, principalmente, pela indústria de insumos. O produtor não quer que o governo atrapalhe, apenas que proporcione infraestrutura, um futuro com menos burocracia e diminua os custos para ele. 

 M – Por outro lado, os pequenos agricultores reclamam que as medidas do governo dificultam a produção de alimentos mais saudáveis. O Brasil precisa dar mais atenção à agricultura familiar?

GAV – A agricultura familiar é responsável por 70% do alimento produzido pelo brasileiro. É o segmento que possui o menor índice de inadimplência nos bancos. Todo hortifrutigranjeiro e 60% do leite são produzidos pela agricultura familiar. 174 países consomem frango desse tipo de agricultura. O que precisamos mesmo é acabar com a ideologização da agricultura familiar e aproximá-la mais da indústria de insumos. Alguém precisa quebrar esse “gelo” e promover uma interação para todos crescerem juntos.

 M – A Embrapa apresentou recentemente uma tecnologia que diminui agrotóxicos nas lavouras. Há interesse entre os grandes produtores em de fato adotar esse tipo de tecnologia?

GAV – Hoje, quem mais cumpre a legislação ambiental são os grandes produtores, responsáveis por essa balança comercial. Eles já produzem os 210 milhões de toneladas, já fazem rotação de cultura, plantio direto e há muito tempo que a questão do agrotóxico é trabalhada com nanotecnologia. Desde a Conferência Rio 92 seu uso vem reduzindo. O Brasil possui uma das maiores legislações sobre esse tema. As grandes empresas de agrotóxico já atuam no uso de sementes selecionadas. O que existe é a falta de informação para a grande massa da população brasileira de que a agricultura empresarial trabalha em escala. Por isso, é preciso conhecer os meandros da produção agrícola e pecuária. O urbano precisa conhecer o agronegócio, essa é a grande sacada.