Setor de cachaça registra queda pelo terceiro ano seguido


Foto: Confraria Paulista da Cachaça/Via Revista Globo Rural

Reflexo da crise e da mudança nos hábitos dos brasileiros são os motivos apontados para o resultado

O mercado de cachaça encolhe pelo terceiro ano consecutivo no País, como reflexo da crise e da mudança nos hábitos dos brasileiros. Os consumidores de baixa renda reduziram o consumo da bebida em bares. Entre aqueles com renda mais alta, houve substituição de marcas de alto valor agregado por linha mais baratas, ou mesmo substituição por outros destilados, como tequila e vodca.

De acordo com dados da Euromonitor International, as vendas de cachaça recuaram 3,6% em volume em 2016, para R$ 501,5 milhões de litros. Para 2017, a consultoria estima queda de 2%, chegando a 491,5 milhões de litros.

Angelica Salado, analista sênior da Euromonitor International, observou que 90% da cachaça vendida no Brasil é de baixo valor agregado (com preços inferiores a R$ 20 por litro). “Esse segmento foi afetado pela recessão, uma vez que essa cachaça é consumida principalmente em bares por consumidores de baixa renda, que viram um declínio severo em seus rendimentos. A substituição da cachaça por vodca de baixo valor na preparação de capirinhas também contribuiu para o declínio nas vendas”, observou a analista.

No caso das cachaças de valor agregado mais alto (acima de R$ 30 por litro), a queda deve-se sobretudo à redução do consumo entre pessoas das classes A e B. Por exemplo, o consumidor que tomava duas caipirinhas ou duas doses de cachaça, reduziu para uma.

Na categoria de cachaças de baixo preço, 90% do consumo se dá em bares e 10% em supermercados e hipermercados. No caso das cachaças de valor agregado mais alto, 60% a 65% da venda ocorre em bares e o restante se dá no varejo. Como o fluxo de clientes em bares e restaurantes caiu 4% em 2016, segundo a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), o consumo de cachaça nesses ambientes também encolheu.

Carlos Lima, diretor executivo do Ibrac (Instituto Brasileiro da Cachaça), disse que o mercado tem sofrido também com a decisão de parte dos consumidores de substituir a cachaça por outros destilados. “Quando o poder aquisitivo do consumidor cresce, ele tende a migrar para outros destilados, como a vodca e a tequila. Mas quando perde poder aquisitivo, ele não volta para a cachaça. E os consumidores de renda mais baixa reduzem o consumo da cachaça mais barata. Por enquanto, nossa percepção neste ano é de queda no consumo”, afirmou Lima.

As fabricantes Diageo, Bacardi e Natique Osborne confirmaram a tendência de queda no consumo e informaram que investem em variedades especiais para atrair mais consumidores das classes A e B. A produção em barris de madeiras diferentes ou com processos de envelhecimento mais longos são algumas iniciativas para estimular o consumo. A adoção de embalagens mais caras e versões de cachaça com sabores também fazem parte das apostas das empresas.

A Diageo ampliou nos últimos dois anos a oferta de cachaças especiais, envelhecidas em tonéis de seis tipos de madeiras diferentes. E também reforçou a oferta de versões com sabor, com a Ypióca Mel e Limão e a Fogo Santo, feita com especiarias. A empresa ampliou ainda a oferta de cachaça de valor agregado alto com a linha Cinco Chaves.

“A Ypióca Ouro cresce dois dígitos em vendas no Brasil, assim como as cachaças saborizadas”, afirmou Álvaro Garcia, diretor de marketing da Diageo, em referência ao período de julho de 2015 a junho de 2016.

Garcia disse que o aumento do consumo se dá principalmente em redes de supermercados e hipermercados. Nesse varejo, as vendas crescem entre 25% e 26% no ano. “Por conta da recessão, houve um movimento de consumidores em montar seu bar em casa, para fazer festas, churrascos, jantares. Os consumidores que consomem cachaças com mais valor agregado aumentaram as compras no varejo”, acrescentou Garcia.

De acordo com dados da Euromonitor International, a Diageo é a quarta maior empresa em volume de vendas de cachaça, com 10,2% de participação. A Cia. Muller de Bebidas, dona da 51, lidera o mercado com 21,1% de participação. A empresa informou que o porta-voz não estava disponível para entrevista. Em seguida estão a Indústrias Reunidas de Bebidas Tatuzinho (dona da Velho Barreiro), com 11,9% do mercado e a Engarrafamento Pitú (dona da Pitú), com 10,7%.

O grupo Natique Osborne, dono de cachaças como Espírito de Minas, Saliníssima e Santo Grau, optou por investir apenas em cachaças artesanais e de alto valor agregado para competir no mercado. “O mercado de preços baixos caiu nos últimos anos e não tem perspectiva de mudança. Mas o mercado de cachaças de alto valor agregado crescem mesmo na recessão”, afirmou Luís Henrique Munhoz, presidente do Grupo Natique Osborne.

De acordo com o executivo, as vendas do Grupo Natique Osborne tiveram crescimento próximo de 25% de janeiro a agosto deste ano. Munhoz observou que esse mercado de cachaças de alto valor agregado é pequeno, respondendo por cerca de 10% das vendas totais do setor. Por ter uma base de comparação pequena, o crescimento é mais expressivo. O Grupo Natique Osborne não fez lançamentos neste ano. A companhia preferiu consolidar as vendas das linhas já existentes, segundo Munhoz. A expectativa da empresa é fechar o ano com crescimento de 25% nas vendas.

A Bacardi também disse que as vendas da sua cachaça premium Leblon vão bem. “A marca cresce duplo dígito a cada ano e em 2017 mantém o ritmo de crescimento”, afirmou Marcela Rezende, diretora global de Leblon na Bacardi. A Bacardi é outra concorrente que não fez lançamentos neste ano, mas preparou ações em bares e casas noturnas para estimular o consumo da bebida pura ou em drinques. “O mercado de cachaça premium ainda é muito pequeno e tem muito potencial para crescer. O nosso foco é ajudar a desenvolver a categoria”, disse Marcela.

Valor Ecômico