O homem que conversa com os falcões


O homem que conversa com os falcões
Marcos Cardoso é jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”. Imagem: destaquenoticias.com.br

Saibam que os nossos gaviões do rabo branco, asa de telha, pernilongo, gavião-pé-de-serra e o carcará são falconídeos, aves de rapina de porte pequeno, mas fortes, velozes e ágeis caçadoras. A menor delas é o quiri-quiri, o pequeno falcão do Brasil, com apenas 25 centímetros de porte.

Como esses, outros elegantes animais vítimas de humanos despossuídos da mesma inteligência foram salvos por um centro de conservação que é único na América Latina.

Corujas suindara, orelhuda, buraqueira, murucututu, que é a segunda maior do Brasil, além de urubus, socós-boi e até uma harpia, a mais pesada e uma das maiores aves de rapina do mundo, que pode pesar 12 quilos e ostentar uma envergadura de até 2,5 metros, encontraram a salvação no Parque dos Falcões, aos pés da Serra de Itabaiana.

Reconhecido fora do país e hoje transformado em Instituto, é o único lugar do Brasil com autorização do Ibama para a criação de aves de rapina em cativeiro. E é referência na reprodução, manejo e reabilitação desses animais, que para ali são levados pela Adema, Polícia Ambiental, Corpo de Bombeiros e o próprio Ibama, quando são resgatados dos maus-tratos, machucados ou até mutilados pela ação humana.

Ali todos são cuidados com o melhor dos remédios: dedicação exclusiva, respeito e amor. Visitar o Parque dos Falcões é uma experiência transformadora.

“É uma forma de auxiliar as pessoas. Eu pensava que o foco era melhorar a vida do bicho, mas a gente percebeu que a educação ambiental melhora a condição racional, lógica de um ser humano, do respeito ao animal. Aí eu percebi que a gente estava fazendo um bom trabalho”.

Quem fala é Alexandre Correia, que acreditou no dom natural e no sonho um tanto mirabolante do amigo José Percílio Costa. No ano 2000, eles criaram o Parque dos Falcões. A realização dessa fábula fica numa área de 3.500 km², comprada com a ajuda de familiares, no Povoado Gandu II, a 2,5 quilômetros da BR-235 e a menos de 50 quilômetros de Aracaju.

Percílio pousa um falcão na mão do visitante
Percílio pousa um falcão na mão do visitante

 

As mais de 300 aves que hoje ali habitam são o motivo para a existência do lugar e a razão de viver de Percílio, um homem simples, que usa o melhor da expressão humana quando dialoga com elas. Ele é uma atração à parte. O bichinho vocaliza e ele entende.

Conhecido como encantador de aves, Percílio começou sua relação com elas há 35 anos, quando contava apenas 7 anos de idade, e viu eclodir na sua mão o ovo que foi chocado por uma galinha de onde nasceu Tito, o primeiro carcará. Que na verdade é uma fêmea, ele viria a saber depois, considerada a mais velha ave do gênero em cativeiro.

Tito nasceu na mão dele e dormia com ele no mesmo quarto. “Eu aprendi tudo o que eu sei com ela”, diz. E ele sabe muito.

Justiça se faça, Percílio e Alexandre sabem tudo sobre as aves. Alexandre, que é um experimentado guia para os visitantes, demonstra grande conhecimento científico. Percílio é pura intuição e afinidade. Impressiona como entendem o comportamento dos bichos. Acreditem: eles desenvolveram uma teoria do comportamento das aves de rapina.

“Aqui não é um zoológico, é um abrigo onde eles estão protegidos”, adverte Percílio. “Tem aves soltas, semi-soltas e presas. Só não retornam para a natureza aquelas que não podem retornar, principalmente por conta de traumas, amputações e transtornos de comportamento provocados por maus tratos”.

Os falcões treinados são quase todos filhotes de aves que chegaram lá mutiladas e conseguiram reproduzir depois de devidamente tratadas. “Você assistir essas aves dar cria, para mim é a maior alegria do mundo”.

E os falcões treinados também trabalham, o que ajuda na manutenção do parque. O falcão Fênix, por exemplo, participou algumas vezes da encenação da Paixão de Cristo, no sertão de Pernambuco, além de já ter estrelado duas novelas da Globo. As aves já participaram de outras produções, principalmente comerciais, programas de TV até internacionais e centenas de reportagens. O parque é mantido pelos visitantes, simpatizantes e colaboradores.

Outra advertência de Percílio: treina as aves, mas não pratica falcoaria. A prática milenar faz uso das aves de rapina para a caça. No Brasil, a falcoaria é proibida, embora seja permitido o adestramento de aves de rapina para aumentar a segurança da aviação.

“Aqui no parque predadores e presas vivem na paz”, resume o encantador de aves, que também cria pombos, galinhas, gansos, patos e pavões.

O Parque dos Falcões recebe animais de todo o Brasil e consegue reproduzir 30 espécies de aves de rapina. Esse dado por si só é um espanto. Pesquisadores do mundo visitam o parque para conhecer como é a reprodução em cativeiro.

Outra boa notícia, resultado também do trabalho e da conscientização: o parque recebia de 30 a 50 aves por mês e esse número diminuiu bastante, o que eles atribuem à maior conscientização das pessoas, que têm caçado e maltratado menos. Que assim seja.

“Desde que Tito nasceu eu jurei proteger as aves de rapina. Elas são a minha vida, cada uma delas faz parte da minha vida. Eu vim ao mundo para isso. E sou feliz”, diz um ainda emocionado Percílio, enquanto o velho carcará finge dormir nos seus braços.

 

Leia também: Seduc reúne pesquisadores em comemoração ao centenário de Paulo Freire