A visão caolha do ideologismo da esquerda brasileira


Dilson M. Barreto
Economista

Que você tenha uma ideologia e que, dento do princípio da moralidade, da ética, da racionalidade dos fundamentos democráticos e do respeito aos direitos da pessoa humana, defenda com dignidade, sem subterfúgios e maniqueísmos, o seu pensamento e o pensamento do seu grupo político, nada demais, isto porque numa sociedade pluripartidária, deve-se respeitar o pensamento divergente mesmo que seja da minoria. O que neste artigo denomino de ideologismo diz respeito a um tipo determinado de ideologia assentada em princípios ultrapassados, extremamente radical e possessivo, que vê no seu opositor um inimigo e, acima de tudo, numa deturpação mental, um inimigo do Brasil.

É esse ideologismo que parece está sendo seguido por alguns segmentos da chamada esquerda brasileira, aquela considerada a mais radical. Além de solidários com todos os regimes autoritários existentes na América Latina, defendem publicamente o governo do Presidente venezuelano Nicolas Maduro como um verdadeiro democrata, leal ao seu povo. Fruto justamente desse ideologismo inconsequente, não enxergam a escalada de violência promovida pelo governo através da sua Guarda Nacional e dos grupos paramilitares que dão sustentação ao governo. Um governo que está matando a população de fome e desnutrição, prendendo mediante as mais absurdas justificativas, os políticos de oposição e matando membros da sociedade civil que protestam contra seu governo, além de impor o medo entre a população que, mesmo assim, sai às ruas para lutar por sua liberdade. Por sua vez, aqui no Brasil, esse mesmo grupo, travestidos de um falso moralismo, de patronos de um conceito de democracia e liberdade por eles mesmos inventado, acusam o Governo de golpista e ladrão, que está destruindo o país e suprimindo os direitos do trabalhador, esquecendo-se do desastre econômico e social provocado no último governo petista e que levou o país ao caos e a quase 14 milhões de desempregados, além de contribuir para que metade das famílias endividadas e sem renda suficiente para saldar seus compromissos, tivessem acesso ao mercado. Para esse grupo alienado ideologicamente, os ladrões e os destruidores da economia brasileira não estão no meio deles, porém do outro lado, isto porque eles sempre foram e serão, os grandes salvadores da pátria.

É licito prender os adversários como está ocorrendo na Venezuela simplesmente por não concordarem com os métodos grotescos de um governo autoritário que não respeita a democracia, atropelando o desejo da maioria, taxando-os de direitistas e vassalos dos Estados Unidos? Que persegue a imprensa que lhe é contrária, chegando mesmo a prender jornalistas? Que não aceita como lícitos e concernente com um regime democrático os protestos da população? Um governo que mesmo sendo eleito, não respeita a soberania do Parlamento cuja maioria é da oposição, mas que também, como o presidente, foi eleito pelo povo? Que institui uma nova Constituinte organizada à sua maneira, tão somente para anular o poder da Assembleia Nacional em funcionamento justamente por não lhe dar maioria?

Ao compactuar com as barbáries praticadas pelo Presidente Maduro, ao considerar legal a nova Constituinte agora eleita de maneira suspeita, parcela da esquerda brasileira trafega na contramão da história, ingressando numa estrada sem sinalização, em nome de uma revolução bolivariana que não tem nada de parecido com as originais ideias pregadas por Simon Bolívar. O que este segmento ideológico caolho está fazendo é tão somente dar apoio à consolidação de uma ditadura que ainda se disfarça em pseudodemocracia. Um governo que não aceita oposição, que não permite a liberdade de pensar e tenta calar pela força uma população que clama por liberdade e pão, não pode ser considerado um governo democrata.

Se esta é a raiz do pensamento da nossa esquerda, como confiar em seus integrantes para, num rodízio de poder, natural nos regimes democráticos, voltarem a governar o Brasil? Certamente esses mesmos conceitos ideológicos serão empregados.  Implantar-se-ia também aqui uma deturpada Revolução Bolivariana, cuja prática autoritária descambaria para uma possível ditadura, num total desprezo às regras fundamentais instituídas num estado democrático de direito. Apenas um detalhe: na Venezuela Maduro, utilizando o dinheiro do petróleo, corrompeu a grande maioria do estamento militar; aqui no Brasil esta façanha não será possível.

Pegando carona em artigo de André Ramon publicado no jornal “El Pais” onde o autor critica o apoio do Partido dos Trabalhadores ao golpe de Maduro, sou de opinião, também como ele, que o Brasil, tal qual a América Latina não precisa “de um discurso militante que feche as portas ao diálogo”. O que o Brasil precisa “é de uma esquerda inteligente. Uma esquerda reflexiva, que tem a coragem de fazer sua autocrítica. Uma esquerda que sempre busca questionar e atualizar suas ideias para reforçar a luta pela democracia, não uma esquerda que apela ao discurso inflamado da guerra de classe para justificar o autoritarismo”, apostando na volta ao passado, num discurso sectário em que se colocam como vítimas perante a população.

Esse ideologismo canhestro insistentemente pregado por parcela da esquerda brasileira, além de ser contrário às aspirações de liberdade por parte do indivíduo, também facha as portas para a construção de um regime verdadeiramente democrático onde todos tenham direito a voz, vez e voto. Não se pode querer vencer pela força, impondo um dogma que tem levado ao ódio e à violência justamente por tentar dividir a sociedade entre “nós e eles”. Se o conservadorismo vem crescendo na política brasileira, isto decorre justamente da incompetência política da esquerda e do seu discurso sectário que a faz perder credibilidade. Daí o silencio das ruas.