Dilson M. Barreto
Economista
Muito se discute sobre a questão da desindustrialização brasileira, uns defendendo a tese de que esse processo ocorreu em consequência da sobrevalorização do real levada pelo aumento dos preços dos bens primários exportados, o que fez estimular a importação em larga escala em detrimento da produção nacional, denominando a esse fenômeno de “doença holandesa”; outros porém avaliam o processo de desindustrialização como decorrência da perda de participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) tanto em termos de valor como do fator trabalho, levando a indústria de transformação a apresentar um crescimento médio inferior ao crescimento médio da indústria como um todo. O que realmente se observa, na prática, além da transferência de alguns serviços industriais para o setor terciário em função do desenvolvimento da informática, é a grande transferência de mão-de-obra ocorrida no período 1996-2013 tanto da agropecuária como da indústria para o setor serviços. Conforme dados publicados, o contingente da força de trabalho da agropecuária diminuiu, nesse período, de 6,5% para 4,0%, na indústria a redução foi de 24,3% para 21,2%, enquanto o setor serviços que em 1996 abrigava 69,1%, elevou o seu contingente de trabalhadores para 74,7%.
Na verdade, o que se observa em toda essa discussão é o fato de que, a partir da abertura econômica, da globalização e da financerização da economia cujos efeitos foram bastante ampliados nas décadas seguintes, os governos deixaram para um plano inferior as questões relacionadas com a política industrial e de ciência e tecnologia. Muitos discursos aconteceram, porém nada de concreto foi efetivado, levando a indústria brasileira a perder muito espaço no cenário internacional. Acrescente-se a este fato o próprio esgotamento do modelo de substituição das importações encerrado no final da década de 1980, não existindo, a partir de então, novas políticas que viessem trazer dinamismo à indústria de transformação, estimulando sua produtividade e capacitando-a a competir fortemente no mercado mundial. A ausência de incorporação de novas tecnologias ao processo produtivo brasileiro criou um vácuo em termos de competitividade. Por conseguinte, visualizo nesta discussão tratar-se muito mais de uma questão estrutural tanto da economia brasileira em seu conjunto como do próprio setor industrial que não mais acompanharam o ritmo de expansão da economia mundial em termos de competitividade, fruto das próprias políticas internas, do que mesmo desindustrialização propriamente dito. Reforçando este nosso ponto de vista, segundo Silva, Alderir e Lourenço, André Luís (FEE, Porto Alegre, 2014), alguns autores argumentam não existir nenhum tipo de desindustrialização, mas, sim, convergência natural da indústria nacional acelerada pela crise internacional, bem como pelas variações da indústria manufatureira no Produto Interno Bruto (PIB) em decorrência de variações do investimento nesse setor. A queda dos investimentos tem afetado o setor industrial tanto internamente como externamente, com severas consequências para a estrutura produtiva do País.
De acordo com os dados que dispomos, a estrutura do comércio internacional brasileiro não mudou nos últimos anos, tanto assim que além da indústria de transformação apresentar um crescimento de valor abaixo do total do setor, as exportações de produtos com alto nível tecnológico, no período 2010/2015 têm tido uma participação muito singela, rondando a média de 4,3%, enquanto a de média-alta tecnologia representou, em termos médios, 17% das exportações totais nesse mesmo período. Como a corrente de comércio do Brasil (exportações mais importações) não passa de 1,5%, indicando que o país continua praticando uma economia bastante fechada, tais fatos comprovam a inexistência de uma política intensiva de abertura de seu comércio para com o resto do mundo e que se reflete inclusive na própria participação da indústria.
A queda na competitividade do setor industrial brasileiro e sua perda de dinamismo é consequência dos seguintes fatores relevantes, o que leva ao diagnóstico de que produzir no Brasil tornou-se algo muito difícil:
a) Custos de produção elevados, em decorrência dos custos dos insumos (aço, energia elétrica);
b) Custo dos transportes acima dos padrões internacionais;
c) Infraestrutura precária e uma logística cara e deficiente;
d) Carga tributária elevada;
e) Taxas de juros e spreads elevados;
f) Baixo nível de qualificação da mão-de-obra;
g) Prestadores de serviços industriais com um nível de produtividade muito baixo;
h) Excessiva burocracia implicando na elevação de custos, concorrendo para prejudicar o empreendedorismo e os próprios investimentos produtivos;
Ainda conforme os autores anteriormente citados, “o crescimento do setor serviços e da agropecuária têm ocorrido via modernização, de modo que a produtividade nesses setores tem sido relativamente maior do que na indústria de transformação… de maneira que, mesmo considerando o efeito da apreciação cambial, a indústria de transformação perdeu competitividade tanto pela redução da produtividade do trabalho quanto pelo aumento dos custos de produção”. Aliado a esses fatores, a inflação que também interfere na formação dos preços, também contribui para que a indústria brasileira reduza seu nível de competitividade no mercado internacional.
Encerrando esta série de artigos que trata da questão da desindustrialização, merece ser citado o fato de que a indústria, como setor dinamizador do crescimento de longo prazo, em decorrência da sua inter-relação dinâmica com os demais setores, “tem a capacidade de gerar efeitos de encadeamentos intra-indústria e com os demais setores, além de possuir maior geração de economias de escala e difusão tecnológica” (Jardim, Paula e Perin, Fernanda, REB, 2016). Na esteira do pensamento do Professor Wilson Cano, “não há na história, pais algum que se desenvolveu, prescindindo de uma generalizada industrialização e de um forte e ativo papel do Estado Nacional”. É justamente o que está faltando no Brasil na atualidade. Que o digam os períodos do chamado “nacional-desenvolvimentismo” que tiveram curso nos governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e, em parte do regime militar, quando esta mesma filosofia foi adotada, independente de aspectos ideológicos. Se a indústria de transformação está perdendo eficácia e produtividade, esta não decorre de um processo de desindustrialização, porém por falta de políticas públicas consistentes para o setor. Ou seja, o governo considerar o setor industrial com o uma prioridade nacional.