Por que se combate o desenvolvimentismo?


Dilson M. Barreto
Economista

Alguns economistas têm atacado o desenvolvimentismo tomando como base de comparação as políticas aplicadas no passado e as em curso durante os governos Lula e Dilma Rousseff, afirmando não ser mais aplicável em nosso País, quando se pensa na montagem de um novo modelo de política econômica. Discordo totalmente desse ponto de vista, desde quando, tanto no passado (Governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Geisel), como no caso dos dois últimos governantes, as situações foram bastante distintas. No primeiro grupo assistimos e convivemos com uma efetiva política desenvolvimentista (muito embora haja controvérsias). Já no segundo grupo, o que se intitulou de desenvolvimentismo não passou de arremedos improvisados de intervenções erráticas e desastrosas, com resultados nem sempre eficazes.

O que poderíamos entender por desenvolvimentismo? Recorrendo a Argemiro Brum em seu livro “Desenvolvimento Econômico Brasileiro” (2002), verificamos ser “um modelo de desenvolvimento voltado centralmente para a realização de um crescimento econômico acelerado, acima dos padrões históricos tradicionais…” Observando ao pé da letra essa conceituação, podemos afirmar que nos três governos citados, Getúlio (1951-1954), Juscelino (1956-1961) e Geisel (1974-1979), efetivou-se uma política acelerada de desenvolvimento voltada para a substituição de importações e a implantação de uma rede de infraestrutura sustentado num modelo de forte intervenção na economia através da ação direta do Estado alimentada pelo financiamento público, contando, todavia, com a participação ativa do capital privado, o que permitiu a modernização do País durante esse longo período. Claro que esse modelo não mais pode ser aplicado justamente por haver se esgotado no tempo, além do surgimento de visões políticas diferentes sobre o conceito de desenvolvimento, especialmente com a disseminação da ideologia neoliberal.

Quando da gestão dos governos Lula (segundo período) e Dilma, o que se viu foi a intervenção do Poder Público num amplo programa de concessão de subsídios e  desonerações para setores que não precisavam dos tais incentivos para sobreviver, controle dos preços administrados, especialmente energia e combustíveis, gerando graves prejuízos para as empresas desses setores específicos, implantação de um programa de conteúdo nacional utilizado no passado para estimular o fortalecimento de indústrias nascentes, hoje inaplicável, servindo tão somente para onerar os custos de produção de várias empresas, além de concorrer para a perda de competitividade de importantes segmentos do setor industrial, além do desastrado programa de “campeões nacionais”, desviando os recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que poderiam ser aplicados em projetos considerados prioritários para dinamizar a economia.

Por sua vez, as concessões em infraestrutura demandaram tempo considerável anulando possíveis efeitos positivos. Ao contrário, juntamente com uma política monetária errática e insistentemente colocada em prática por muito tempo, serviu apenas para causar o desmonte da economia, gerando forte recessão e desemprego. Além desses fatores, a política de expansão do consumo se foi vitoriosa inicialmente para blindar a economia brasileira da crise mundial ocorrida nos idos de 2008, entretanto, tornou-se ineficiente já no governo Dilma, face ao grande endividamento das famílias, o encarecimento do crédito e o desemprego que se alastrava por força da recessão. Caso se deseje chamar esse tipo de intervenção do Estado de desenvolvimentista, na verdade ele não passou de um desenvolvimentismo às avessas.

No atual momento, as condições necessárias para implantação de um projeto desenvolvimentista apresentam-se bastante difíceis, considerando que o modelo neoliberal iniciado com Fernando Collor e consolidado com Fernando Henrique Cardoso ter destruído as bases de sustentação de um projeto desse porte e complexidade num mundo hoje dominado pela globalização e pela força do capital internacional. Por sua vez, o aprofundamento da crise econômica interpõe-se como obstáculo a uma renovação conceitual moderna sobre desenvolvimento. Tenho defendido a tese de que desenvolvimento é um processo desequilibrado, gerador, portanto, de certo patamar inflacionário o qual é compensado pelas elevadas taxas de crescimento advindas de sua implantação de forma sustentada e consistente. Esse tipo de política é totalmente divergente da política monetária ortodoxa em curso centrada na elevação da taxa de juros para conter o consumo e baixar a inflação, desestimulando os investimentos privados e dificultando a retomada do crescimento, ou, quando este vier a ocorrer, será mediante a apresentação de taxas insignificantes para o porte de um País com o Brasil. Da mesma forma, torna-se inviável o estabelecimento de um modelo econômico desenvolvimentista, com a convivência de uma taxa de juros de mercado praticada pelos bancos públicos e privados que de forma indecente e com a conivência do Banco Central, assusta qualquer investidor ou mesmos as poucas famílias que ainda dispõem de renda para fazer crescer o seu consumo.

Mesmo sendo evidente que o atual processo inflacionário não é de demanda, mas sim de preços, alimentada pela própria inércia que a inflação vem acumulando ao longo do tempo, e que não é juros elevados que a conduzirá para o centro da meta, o Banco Central insiste na manutenção de uma taxa Selic elevada, concorrendo para o crescimento da dívida pública, corroborado também pelo crescente e desordenado gasto público em custeio. Tal política além de neutralizar qualquer esforço fiscal para garantir o ordenamento das contas públicas, tem servido apenas como um canal de transferência de renda para os rentistas e demais agentes de mercado que vivem em função da especulação financeira.

Em conclusão, pode-se afirmar que o combate que se faz insistentemente ao desenvolvimentismo está assentado tão somente numa ideologia ortodoxa que utiliza o Estado interventor não para gerar desenvolvimento, mas primordialmente para garantir os interesses de grandes grupos privilegiados em detrimento do conjunto da sociedade. A prática desenvolvimentista, mesmo revisada para adequar-se à realidade do mundo atual, ainda é válida.