Os grandes equívocos da esquerda brasileira


Dilson M. Barreto
Economista

É extremamente preocupante a ascensão da direita no mundo com sua ideologia xenófoba que vai ocupando gradativamente espaços representativos no cenário da política. Todavia isto acontece por incompetência dos partidos de esquerda que vêm perdendo espaço nesse cenário pela precariedade em termos de renovação do seu discurso, arraigada a conceitos ultrapassados, muitos desses segmentos persistindo na defesa de ideologias do século XIX. É visível este fato da direita radical ocupando espaços significativos no cenário político e com previsões catastróficas num futuro não muito distante nos Estados Unidos, na França, na Holanda, na Alemanha, e em outros países da Europa. Onde a esquerda falhou? Falhou na contradição entre o discurso e a prática, na falta do cumprimento das promessas de campanha, em querer associar suas propostas socialistas com ações eminentemente neoliberais e, muitas vezes no isolamento que é dado às classes trabalhadoras. Da mesma forma que a sociedade evolui, as ideologias têm que evoluir, ajustando-se aos interesses e sonhos de uma sociedade desesperançada, castigada por injustiças sociais, pela desigualdade, pela exclusão. E enquanto os partidos de esquerda não percebem essa realidade, os partidos de direita radicais vão tomando espaço e ameaçando, com grandes possibilidades de vitória, ocuparem o poder.

Um dos aspectos relevantes nessa discussão é que renomados intelectuais da esquerda, formadores de opinião, ao contrário de focarem sua atenção para esta questão fundamental, difundem um discurso equivocado que centro aqui em dois pontos: somente a esquerda sonha, tem projetos de país; somente a direita é agressiva e violenta, não tem sonhos. Não é verdade. Realmente existe no cenário mundial uma extrema-direita agressiva, aparentemente irracional, incendiária, que não mede as consequências quando realiza suas manifestações de rua. Daí o ressurgimento do nazismo e do fascismo. Da mesma forma, existe também uma extrema-esquerda que, fruto de diversos ressentimentos, torna-se também agressiva e, às vezes, incendiária. O que dizer de Cuba, da Venezuela e da Coreia do Norte? O fechamento das fronteiras em diversos países da Europa à entrada de imigrantes representa uma grave ameaça aos direitos humanos e à liberdade. Seria esse movimento um ato de violência apenas da direita? São fatos que não podem ser negados. Esses dois grupos, focados na ideologia da destruição, não alimenta qualquer sonho de grandeza de uma nação e de um povo. Equivocadamente lutam apenas pelo poder ou, em casos extremos, pela difusão da anarquia. Do outro lado da moeda, existe a esquerda moderada que alimenta sonhos de liberdade e de igualdade e tem um projeto de país, da mesma maneira que existe uma direita moderada embora conservadora que, a seu modo, também sonha com um projeto de país. A utopia, portanto, não é privilégio apenas da esquerda. Se um grupamento sonha que a igualdade somente é alcançada mediante o controle do país pelo Estado Autoritário, o outro grupo alimenta a esperança de que o mercado, associado ao Estado é quem proporcionará a felicidade. São formas de sonhar divergentes, porém são sonhos na busca de um mundo melhor.

Centremos, contudo, o nosso olhar no Brasil. É um grande equívoco construir um discurso ideologizado de que também aqui, somente a esquerda é pacífica e que somente ela tem sonhos. Nosso país não foge à regra universal. Tanto a direita radical (identificada como extrema-direita) como a extrema-esquerda realizam atos de violência, ficando difícil separar o joio do trigo. Todavia, são minorias cujo discurso pode ser perfeitamente destruído pelo uso da verdade, desmascarando-os. Contrapondo a esses grupamentos amantes da violência, existe em nosso país uma esquerda pacífica que sonha com um projeto de País, da mesma forma que tem uma direita pacífica fundada em sua ideologia conservadora e que segue a mesma trajetória de sonhos e utopias.  Antes da introdução da doutrina neoliberal na década de 80, eram os partidos de direita que detinham o poder (Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, sem falar no período da extrema-direita do regime militar) que, fruto de um sonho desenvolvimentista, promoveram o crescimento acelerado do país, gerando emprego, renda e bem-estar. Fernando Henrique Cardoso com sua ideologia neoliberal que ele próprio nega, erradicou, com o Plano Real, o monstro da inflação, abrindo o caminho para o ajuste da economia e uma nova perspectiva de crescimento que foi adotada também pelo Presidente Lula que não teve coragem de ir de encontro a esse novo dogma econômico, favorecendo, inclusive sua expansão. Como ele mesmo disse certa vez que “os bancos nunca ganharam tanto dinheiro como no meu governo”. Infelizmente, seu projeto de poder e não de Estado centrado em sua pessoa destruiu sonhos e fez proliferar o monstro da corrupção que, de maneira incontrolável, alastrou-se por todos os níveis de governo.

Não se pode deixar de enxergar que o Brasil é um país capitalista e que o mundo caminha, bem ou mal, para o domínio do capital. É um equívoco também pensar-se que o socialismo, em sua concepção originária, proporcionará igualdade e riqueza. Pelo contrário, da mesma forma que ninguém fica rico gastando toda sua renda, tal regime político poderá reduzir as desigualdades nunca as eliminar e, se conduzido com autoritarismo, levar à perda da liberdade. O que se deve lutar não é pela mudança de regime, isto sim, uma utopia inatingível especialmente com a difusão em larga escala da globalização impulsionada pela informática e pelos diversos e sofisticados meios de comunicação porém, por um melhor controle da expansão capitalista, redesenhando um “… capitalismo baseado em relações mais sensíveis ecologicamente e em níveis mais elevados de justiça social e governança democrática” (David Harvey, in: 17 Contradições e o fim do capitalismo, p. 247), eliminando de suas veias o ranço do neoliberalismo que premia a especulação financeira, a expansão de um capital fictício que superou escandalosamente a circulação do capital produtivo, sendo responsável pela geração de bolhas especulativas que, ao explodirem, proporcionam sérias crises financeiras pondo em risco a própria democracia.  Esse tipo de acumulação capitalista fortalece de maneira inusitada os aglomerados financeiros que, na sua ânsia incontida de lucros e mais lucros, dominam os governos, conduzindo suas políticas na direção de seus interesses específicos, sendo o principal responsável pelo aumento das desigualdades e da exclusão social.  É nesse ponto que se torna evidente a permissividade do capitalismo. O sonho plausível não seria, portanto, o de pôr fim ao capitalismo, porém o de eliminar as políticas neoliberais.

Esta mudança revolucionária não poderá ser feita através de movimentos sociais muitos dos quais utilizados como massa de manobra de determinados segmentos da esquerda, ou servindo-se da CUT ou do MST, este último considerado o braço armado do Partido dos Trabalhadores. Suas ideologias são agressivas e destruidoras e o uso da força não salvará a democracia que ainda não está plenamente consolidada em nosso país. Para essa finalidade, somente existe um único caminho: a Educação.  Somente através de uma educação eficiente e efetiva, libertadora do homem comum da escravidão a que vive submetido em função dos interesses politiqueiros tanto da esquerda como da direita, será possível construir novos espaços para o aperfeiçoamento da democracia com liberdade e justiça social. Esta será a grande revolução social libertadora, voltada para a grande transformação do homem, permitindo ao mesmo enxergar-se como cidadão livre, autônomo e dono do seu próprio pensamento, da sua própria existência, do seu próprio destino, capacitando-o à tomar com liberdade suas próprias decisões para construção do seu futuro, do futuro de sua família e do seu país. A partir daí é possível realmente sonhar-se com um Brasil melhor, mais igual e menos excludente, portador de uma sociedade politicamente organizada e capaz de tomar as decisões corretas. Quem sabe, a partir desta nova visão de mundo, não se possa também alimentar a utopia de num novo processo civilizatório?