Os desafios da economia brasileira – Final


Dilson M. Barreto
Economista

Em conclusão à análise efetuada pelo Economista Otaviano Canuto, Vice-Presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI) realizada na Universidade Federal de Sergipe, é importante observar que o palestrante ilustre procurou desenvolver uma análise imparcial, descompromissada de julgamento de valor ou tendência política, prendendo-se tão somente aos fatos evidenciados pelas análises que o Fundo realiza periodicamente sobre o desempenho dos diversos países a ele associados, bem assim na sua experiência pessoal sobre o Brasil, onde ocupou, no primeiro mandado do ex-Presidente Lula, importante cargo no Ministério da Fazenda, integrando a equipe técnica do ex-Ministro Antônio Palocci. No artigo anterior citei que quatro pontos de sua palestra, dois dos quais foram abordados naquele mesmo espaço, restando tão somente os dois últimos agora objeto de análise à luz da percepção obtida sobre sua explanação.

O terceiro ponto relevante diz respeito à Reforma Fiscal, tão necessária e urgente para promover o ajuste macroeconômico da economia, viabilizando o seu crescimento autossustentado. Todavia, reveste-se como o mais difícil politicamente pela resistência que será encontrada no Parlamento, desde quando afeta interesses os mais variados, além de sofrer resistência de segmentos que se julgam prejudicados em seus direitos. Daí o insucesso do Governo da Presidente Dilma em encaminha-lo, mesmo considerando o esforço empreendido pelos seus dois últimos Ministros da Fazenda. A Reforma Fiscal traz em seu bojo, entre outras matérias correlatas, a Reforma da Previdência, a Reforma Tributária, a Reforma Trabalhista e a questão do teto limite para o gasto público.

No que diz respeito à Reforma da Previdência, a sociedade precisa entender com urgência, que o Brasil mudou, a vida média da população, em função da melhoria dos padrões de bem estar e de saúde elevou-se para 75 anos, sendo imprescindível proceder-se à revisão da aposentadoria. Sem tirar o direito de quem está aposentado ou está prestes a se aposentar, é totalmente incoerente que o regime previdenciário continue contemplando a aposentadoria de trabalhadores aos 50/55 anos de idade, obrigando a sociedade e as gerações futuras a financiar por vinte cinco anos a existência digna dos mesmos.

Alterar esse teto é também uma questão de sobrevivência do sistema, uma vez que, no médio prazo, caso nada seja feito, poderá ocorrer sua falência total, levando de roldão todos os beneficiários. A revisão da questão das pensões é outro ponto que merece um tratamento especial, eliminando-se direitos vitalícios e mesmo a farsa de casamentos fabricados entre pessoas jovens e idosos com idade bem avançada, unicamente para o recebimento da pensão após sua morte, ou mesmo sua transferência para outros descendentes, tornando o pagamento hereditário.

Um outro problema crucial que tem contribuído para a elevação do gasto público e concorrendo para o crescimento do gasto público, como salientou Canuto, está relacionado com os benefícios e vantagens concedidos à população a partir de 1988 com a chamada “Constituição Cidadã”, tendo como objetivo resgatar as carências sociais das quais a população foi privada durante o regime militar, e que tem sido enormemente aumentadas pelas benesses introduzidas demagogicamente por Lei ou Emendas Constitucionais, expandindo não apenas o número de beneficiários, bem assim, o que é mais grave, onerando substancialmente a despesa previdenciária e dos programas sociais.

No caso da previdência, a Constituição incluiu como beneficiários segmentos que nunca contribuíram, como os trabalhadores rurais, sem indicar a contrapartida financeira para sua compensação (não é que eles não mereçam uma aposentadoria, todavia, a forma como a mesma foi estabelecida é que distorce a sustentabilidade do sistema). Mesmo os programas sociais, fundamentais e significativos para resgatar uma grande parcela da população da miséria absoluta, não representam nem 1% do PIB; todavia, existem neles incluídos pessoas que não se enquadram quanto ao benefício recebido. O caso citado como exemplo foi o programa denominado “defeso”, onde existe uma quantidade estupidamente maior do que o número efetivo de pescadores, descaracterizando o seu sentido social para transformar-se em eleitoreiro.

No que diz respeito à Reforma Tributária, foi evidenciado ser o Brasil o campeão tanto no número de tributos cobrados à sociedade, bem assim no número de horas perdidas por uma empresa para cuidar da burocracia relacionada com o seu pagamento. Ilustrando esse fato, Otaviano citou que, enquanto nos Estados Unidos um pequeno número de Advogados compõe o quadro de uma grande empresa para tratar de todos os assuntos tributários, no Brasil esse número é dez vezes maior. É o “custo Brasil” interferindo na competitividade empresarial. Da mesma forma a cobrança de tributos sobre o consumo, além de interferir no padrão de renda do consumidor, onera de forma direta os custos de produção e, em consequência, os preços finais dos produtos.

Na outra ponta está a Reforma Trabalhista, necessária para adequar a realidade do trabalho ao novo Brasil. Existe grande resistência em alterar-se determinados princípios estabelecidos na CLT vigente desde o Estado Novo. Neste caso, o exemplo citado foi os acordos coletivos firmados entre os trabalhadores mediante seus respectivos sindicados e os empresários, que tem encontrado forte resistência do Ministério do Trabalho, dificultando as tratativas firmadas consensualmente entre as partes interessadas, impedindo assim uma maior flexibilização nas relações entre patrão e empregado desde que ocorram num espaço democrático.

Mesmo que sob quaisquer circunstâncias o intervencionismo do Estado brasileiro se faça em maior ou menor grau, é importante salientar que o Brasil é um país capitalista e, como tal, para garantir a sustentabilidade de sua economia e a eficácia de suas instituições, tem necessariamente de seguir as regras do mercado quando a matéria está relacionada com os meios de produção. Daí o sucesso alcançado pelos chamados “Tigres Asiáticos”.

Finalmente, o último assunto em destaque relacionou-se com a Operação “Lava Jato”, objeto de diversas controvérsias sobre sua eficácia e continuidade. Para Canuto, o ciclo dessa operação, mesmo que dolorosa para alguns segmentos, poderá ser benéfica para o futuro do País, isto porque, além de reduzir o índice de corrupção que certamente nunca será extinto, tornarão as empresas mais seletivas, deixando de existir a chamada “reserva de mercado” para grupos privilegiados, o que, provavelmente, resultará no aumento da concorrência e da eficácia na execução das obras e serviços contratados pelo Estado.

Finalizando sua exposição, Otaviano Canuto é de opinião que já tenhamos alcançado o fundo do poço e que as medidas econômicas do Governo Interino, através do seu Ministro da Fazenda, se aprovadas como parece ser a tendência do Congresso nesse momento, deverá sinalizar a saída do País do processo recessivo em que se encontra e começar a crescer.

Se a aplicação dessa receita for convenientemente observada, o Brasil deverá libertar-se da chamada “armadilha da classe média” uma vez que a economia voltando a funcionar bem, necessariamente haverá melhoria da renda da sociedade, principalmente das classes mais pobres. Para tanto, frisou, torna-se necessário uma mão-de-obra melhor qualificada e aumento consistente da produtividade. E insistiu nesse ponto: “se alguém me perguntar o que é fundamental para reativar a economia brasileira, em responderei produtividade, produtividade, produtividade”. Otaviano Canuto falou por cerca de duas horas para um auditório repleto, num período em que estudantes e professores encontram-se de férias da Universidade, sem provocar cansaço aos ouvintes.