Dilson M. Barreto
Economista
O processo de globalização, em função da evolução dos meios de comunicação e de transportes contribuiu enormemente para a expansão e diversificação do comércio que, aliado ao desenvolvimento tecnológico, permitiu estreitar as relações entre pessoas e países, transformando o mundo numa verdadeira “aldeia global”. Ela vai consolidar e expandir o capitalismo ampliando seus tentáculos em todo o hemisfério, ao ponto de desestabilizar outros modelos econômicos. Como a moral da globalização está assentada no lucro e no poder, seus efeitos são muitas vezes perversos e estimuladores de fortes crises econômicas e sociais. Claro que nessa aldeização mundial, valores e culturas foram afetadas e novas necessidades foram construídas no inconsciente coletivo, estimulando novos hábitos de consumo, novas formas de comportamento, novos valores morais. A velocidade com que as mudanças foram introduzidas nesta “aldeia global” não ofereceu condições suficiente para que muitos países, especialmente os mais pobres, tivessem tempo para realizar a necessária adaptação cultural, decorrendo daí constantes crises. Em consequência, se de um lado a globalização trouxe em seu bojo o estreitamento das distâncias geográficas, a liberdade de comunicação e a livre movimentação entre os povos de todas as raças e culturas, de outro muito contribuiu também para a proximidade dos conflitos ideológicos e religiosos, pondo em risco, naturalmente, a segurança e gerando incertezas quanto ao futuro, isto porque, para garantir suas defesas individuais, os países passaram a produzir os mais variados e sofisticados tipos de armamentos, além de enxergar no outro um potencial inimigo.
Mesmo que, no entender de muitos estudiosos, a globalização não tenha concorrido para o aumento indiscriminado da desigualdade, todavia ela é responsável por difundir um sentimento de exclusão (daí o crescimento dos movimentos antiglobalização tanto da extrema direita como da esquerda mais radical), evidenciado pelo processo de concentração de renda que se aguça cada vez mais entre a minoria populacional detentora dos 5% da riqueza mundial e os 50% dos extremamente pobres, como também entre os chamados países ricos e aqueles classificados como atrasados, subdesenvolvidos ou mesmo miseráveis, gerando mais desemprego e pobreza, tornando o abismo entre pobres e ricos cada vez mais amplo, além de estimular o crescimento da violência urbana e, em muitos casos, ameaçando com a possibilidade de uma maior desagregação social.
As guerras e outros conflitos espalhados pelo hemisfério global, a fome, a miséria humilhante e as doenças endêmicas a que muitos povos estão submetidos, com destaque para os povos africanos,são circunstâncias que impulsionam ainda mais o egoísmo entre os povos, afetando inclusive a liberdade de acesso a outros países e a própria paz mundial. Se de um lado a abertura comercial e as leis do mercado possibilitaram a difusão cada vez maior da oferta de bens e serviços, isto não significa, necessariamente, que essa riqueza tenha sido internacionalmente distribuída, bem como o bem-estar tenha se tornado generalizado. Esse processo de integração inter-racial e entre países ocasionada pela enorme redução dos custos de transportes e eliminação de muitas das barreiras aos fluxos de produtos, serviços e capital, além da própria difusão do conhecimento, é também responsável pela imposição por parte dos países ricos, de normas e regras às nações mais pobres, notadamente no que se relaciona a exigência de liberalização do mercado de capitais, desregulamentação do sistema financeiro nacional, e da flexibilização das relações trabalhistas. O movimento internacional de capitais que toma corpo a partir dos anos de 1980, dá ênfase ao chamado neoliberalismo e vai abrir espaço tanto para a entrada de grandes bancos, como também, em maior escala, para possibilitar a livre circulação do dinheiro especulativo, dando efetividade à chamada globalização financeira, contribuindo de certa forma para a instabilidade global e para as grandes crises internacionais. Esta liberalização do capital imposta pelas potências mundiais e defendida ardentemente pelos organismos internacionais, não obstante também suaampla defesa pelos grupos ortodoxos que dominam a economia, não tem demonstrado, até hoje, que sua livre circulação estimule o crescimento econômico dos países atrasados em seu processo de desenvolvimento.
A globalização é em todo o seu contexto, um processo excludente. Conforme avalia o megainvestidor George Soros em seu livro “Globalização” (Editora Campus 2002), “o comércio internacional e os mercados financeiros globais são muito eficazes em gerar riqueza, mas não são capazes de atender a outras necessidades sociais, como a preservação da paz, o alivio da pobreza, a proteção do meio ambiente, a melhoria das condições de trabalho ou a defesa dos direitos humanos”. A fraqueza moral e a incompetência dos governos desses países submetidos às regras opressoras do capitalismo financeiro e ao domínio das multinacionais, não proporciona condições para reverter o processo. Toda a ossatura do sistema capitalista internacional revestida pela ideologia neoliberal, foi concebido “para preservar os mercados financeiros em vez da estabilidade e do bem-estar dos países periféricos”. Por conseguinte, mesmo que a globalização tenha concorrido de alguma maneira para o progresso de muitos países, contudo, sua estrutura básica está voltada para a preservação dos mercados financeiros, pouca atenção sendo dada à estabilidade dos chamados países emergentes e daqueles outros situados na periferia.
A exacerbação do processo de globalização comandada pelos organismos financeiros internacionais e pelos grandes oligopólios multinacionais e sua obsessão pelo lucro, causam sérios problemas sociais aos países dependentes do capitalismo global.Aliado à velocidade com que o capital circula livremente sob a conivência subserviente dos governos nacionais, entre as várias ações que transgridem a ordem e a moral,ele representa também uma agressão à própria soberania das nações. De igual maneira, ao preconizar a redução da capacidade do Estado de intervir na economia cedendo lugar à supremacia do mercado, a globalização, no seu viés financeiro, acentua entre os povos de todo o mundo a desigualdade em termos de distribuição social das riquezas nacionais. É o preço que temos de pagar pelo fundamentalismo do livre mercado.