O Governo e o déficit fiscal


Dilson M. Barreto
Economista

A grande tormenta do Governo Temer, independente das questões políticas que vem enfrentando, diz respeito ao cumprimento da meta fiscal de R$ 139,0 bilhões. A crise econômica alimentada pela brutal recessão que vem se arrastando desde 2015 tem impedido a geração de receitas compatíveis com o crescimento do gasto público e, desta forma, diminuir o diferencial entre receita e gastos, este último cada vez mais crescente. A tendência, caso nenhuma providência seja tomada, é a elevação desse déficit primário, levando a sérias complicações para os gestores da área fazendária e para equalização das contas públicas. Daí que o governo vem constantemente cortando gastos, até mesmo sacrificando investimentos, para que a citada meta fiscal seja alcançada, mesmo que seja na marra.

Recentemente, por sentir da inviabilidade dos cortes no orçamento já bastante comprimido, o Ministro da Fazenda resolveu elevar a carga tributária, para esse fim aumentando as alíquotas do PIS e do CONFINS sobre a gasolina, óleo diesel e etanol, cuja incidência, mesmo sendo de pequena monta, irá provocar elevação da taxa de inflação, face ao efeito multiplicador dessa elevação tributária sobre os preços de diversas atividades e produtos, aliado ao fato de que também repercutirá no orçamento não apenas da classe média, bem como das classes mais pobres as quais, mesmo não sendo possuidoras de automóveis, andam de transporte coletivo e consomem bens e serviços agora onerados com a nova tributação. A única vantagem da medida agora tomada por decreto é que todo o produto do excesso de arrecadação será de propriedade da União, uma vez que tais contribuições não estão sujeitas à repartição tributária constitucional com estados e municípios.

Mesmo que a lógica do reajuste seja coerente com as necessidades imediatas do Governo Federal, não cabendo qualquer justificativa para um juiz se arvorar no direito de suspender sua cobrança, por outro, parece não ter sido a melhor escolha, desde quando trata-se de uma medida inflacionária, não obstante sua incidência ocorrer no momento em que a inflação se mantém abaixo da banda inferior estabelecida pelo Banco Central, devendo situar-se, inclusive, abaixo de 4,0% segundo estimativa dos agentes de mercado. Porém, se num primeiro momento não traz sérias complicações, a persistência com esse tipo de medida poderá interferir na própria meta de inflação futura estabelecida pela política monetária.

De igual maneira, persistir na ideia de que fazendo um REFIS o governo conseguirá aumentar sua arrecadação, nada mais é do que uma grande ilusão, isto porque o empresário, já totalmente enforcado com dívidas decorrentes da própria recessão que lhe faz reduzir vendas e lucros, entra no programa, paga as primeiras prestações, suspendendo-as em seguida para aguardar uma nova benesse do governo travestido de um novo REFIS. Se o desejo do governo é aumentar a receita, por que não elevar a taxação sobre os ganhos de capital e, com maior destaque, sobre os lucros dos bancos, sejam eles públicos ou privados que, a cada ano, conforme demonstração de seus balanços, estão sempre crescendo de tamanho, além de se apresentarem como os maiores devedores de tributos. Por que esse preconceito em não dar o mesmo tratamento tributário ao capital que oprime o pobre consumidor? Onde ficou a tão chamada justiça tributária? Por outro lado, se é para manter austeridade com o gasto público objetivando garantir o cumprimento do déficit fiscal, por que não restringir as mordomias que proliferam indiscriminadamente entre os Poderes da República? Por que não cortar, pelo menos pela metade, os benefícios estabelecidos com as bilionárias renúncias fiscais que, não gerando crescimento econômico, contribuem tão somente para emagrecer o caixa do governo? Onde está a tão chamada racionalidade econômica?

Outro fato importante é o que vem sendo frequentemente denunciado pelo Jornalista Claudio Humberto, de Brasília, sobre os nefastos acordos firmados pelo governo para importação, com alíquota zero, de etanol de milho proveniente dos Estados Unidos e que é altamente poluidor, em detrimento da produção do etanol saudável do Nordeste. Neste caso particular, pelo menos duas coisas saudáveis iriam ocorrer com a suspensão das importações ou a imposição de uma taxa elevada sobre essas importações: geração de receita financeira e estímulo ao produtor nordestino de etanol, salvando-o de uma possível quebradeira. Acontece que parece não existir interesse político para este problema que afeta a estrutura econômica do país, concorrendo para o aumento da desigualdade regional e de renda.

A questão fiscal, pela sua complexidade, não pode ser resolvida com improvisações mediante o estabelecimento de medidas emergenciais como a que estão sendo tomadas. Já está na hora do Governo acordar para a realidade e criar mecanismos sérios e consistentes de ajuste de suas receitas que, sem penalizar os pobres, equilibre o seu orçamento. O que não é justificável é que todo o esforço atualmente empreendido pelo governo para geração de receita extra venha cair nas costas dos segmentos mais baixos da escala social.

Se não bastassem os sérios problemas financeiros que o Governo vem enfrentando ao longo destes últimos treze meses e relacionados com o déficit fiscal a crise da Previdência Social, o Ministério Público de maneira insensível à realidade financeira do País e num total desrespeito aos 14 milhões de desempregado e à própria sociedade a quem cabe, no final, pagar toda a conta, resolve pleitear um reajuste de seus já polpudos salários (fora outros privilégios que gozam indiretamente) da ordem de 16,7%, quatro vezes superior ao valor da inflação esperada para 2017. Pleito desta natureza deixa evidente que não existe por parte dessa nobre classe social, qualquer preocupação com o esforço que o Governo vem empreendendo para equilibrar as contas públicas. A arrogância dos que compõem o Ministério Público ao propor um reajuste desta natureza deixa transparecer duas coisas: que o problema fiscal não lhes diz respeito e que somente eles é que têm barriga. Ou seja, recessão, pobreza e desemprego é problema do Governo, não deles. Com atitudes dessa natureza, fica muito difícil tirar o Brasil da crise.