Dilson M. Barreto
Economista
Governo, agentes do mercado, todos satisfeitos com o resultado da inflação de 2016 divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que alcançou o valor de 6,29%, abaixo inclusive do limite superior da meta e das expectativas de muitos especialistas, razão que levou o Banco Central do Brasil a reduzir em 0,75% a taxa Selic. Tudo muito bem festejado, uma semana inteira os jornais comentando este grande feito das Autoridades Monetárias, levando inclusive ao aumento dos índices da Bolsa de Valores e à queda da moeda americana frente ao real. Porém ninguém parou para especular sobre o alto preço a ser pago com essa façanha inusitada: desemprego batendo a casa dos 12,2 milhões de trabalhadores e que deverá fechar 13,0 milhões agora em 2017, recessão violenta e resistente a uma possível virada a curto prazo, milhares de empresas fechadas, empresários e famílias com elevado grau de endividamento, poder de compra das famílias no mais baixo patamar pela queda do seu nível de renda, receita pública com crescimento negativo (queda real de 13,7% entre 2014 e 1016) impactando a possibilidade de realização de investimentos capazes de acelerar o crescimento econômico, crescimento inusitado do déficit público federal, caos na previdência social, caos nas gestões estaduais e municipais, muitos desses agentes públicos declarando calamidade financeira, sem recursos inclusive para honrar o pagamento de seus servidores.
Depois de ter causado tanto sofrimento às famílias brasileiras e ao próprio setor empresarial, é que, tardiamente, os integrantes do COPOM reconheceram que a atividade econômica estava muito fraca e com elevado nível de ociosidade. Uma ação que poderia ter sido reconhecida desde o início do novo governo, parece que somente agora foi que caiu a ficha e o Banco Central, num ato histórico, resolveu iniciar a redução da taxa de juros que muitos meses atrás analistas econômicos já pregavam a necessidade e a urgência de sua queda, alertando também sobre a ineficácia da política monetária adotada. Inicialmente de forma tímida (0,25%) e mais recentemente com maior relevância (0,75%), os integrantes do COPOM deixaram transparecer que somente agora entenderam que neste caso de agudo processo recessivo e dos efeitos colaterais que o mesmo vem proporcionando à estrutura econômica como um todo, a receita ortodoxa de manter a taxa de juros elevada para o combate da inflação, além de ineficaz para o caso, tinha um resultado praticamente nulo. Constatado a olhos nus que em função da recessão, do elevado nível de desemprego e da crescente ociosidade da economia tais fatores apenas favorecem a que não haja qualquer pressão de demanda, inibindo a oferta de mercadorias no mercado, fica óbvio que, nestas circunstâncias, também não haveria elevação de preços, tudo isto indicando, como consequência, a queda natural da inflação. Não é preciso ser economista ou doutor em economia para enxergar esta verdade. Todavia, resistente a uma mudança de visão sobre as verdadeiras causas da inflação brasileira, somente agora é que o Banco Central veio reconhecer em seu último relatório que “a inflação corrente tem se mostrado mais favorável, o que pode sinalizar menor persistência no processo inflacionário”. Daí a queda na taxa de juros, tornando “apropriada a antecipação do ciclo de distensão da política monetária, permitindo um novo ritmo de flexibilização”. Decisão plausível, porém, retardatária.
Demonstrando ar de vitória, os integrantes do Banco Central batem no peito comemorando o grande feito da queda da taxa Selic, o que poderia ter ocorrido muitos meses atrás se essas mesmas autoridades tivessem retirado os óculos da ortodoxia monetária e enxergassem que a realidade da queda da atividade da economia brasileira estava centrada em fatores independentes de demanda ou de oferta. A demora em compreender esta realidade muito contribuiu para retardar a possibilidade, mesmo em marcha lenta, do processo de recuperação da economia, o que agora somente deverá acontecer no último trimestre do ano em curso. O custo desta demora fez aumentar o sofrimento da população e o número de empresas fechando suas portas ou requerendo acordos judiciais para continuarem sobrevivendo. Mesmo que a queda da taxa de juros venha proporcionar um alívio para as contas públicas e sinalize a possibilidade de aumento da oferta de crédito, o elevado grau de endividamento de famílias e empresas manterá ainda certo distanciamento quanto ao acesso à oferta provável de novos recursos. Por sua vez, também, o risco de novos calotes quanto ao pagamento de suas dívidas fará os agentes financeiros permanecerem ainda por algum tempo arredios à concessão de novos empréstimos. Enquanto isto a população continuará mantendo seu nível de precaução, restringindo gastos, esperando que a melhoria das condições para o seu acesso ao mercado realmente aconteça. De igual maneira, sentindo os ventos favoráveis, o setor produtivo deverá acionar vagarosamente suas turbinas aproveitando da capacidade ociosa existente sem ousar aumentar o nível de emprego com o recrutamento de novos trabalhadores, o que somente acontecerá a partir do segundo semestre de 2018, quando provavelmente ocorrerá o ajuste completo do novo ciclo econômico.
O preocupante é o fato de o Banco Central, seguindo sua política monetária ortodoxa, continuar projetando para frente o medo de novos riscos que possam concorrer para travar a iniciativa agora tomada de reduzir com mais força a taxa de juros, tornando-a mais flexível e propícia à construção de um novo ambiente econômico: medo da política protecionista a ser colocada em prática pelo Presidente Trump, medo da possível elevação da taxa de juros americana, medo da elevação dos preços do petróleo, e outros medos, esquecendo que o país tem um volume de reservas da ordem de US$ 370,0 bilhões, que garantem qualquer ameaça de tempestade que venha desabar sobre sua economia. Mesmo reconhecendo que a caminhada ainda continuará entrecortada por grandes dificuldades e mesmos incertezas, especialmente quando entra em jogo políticos aloprados e ambiciosos que somente enxergam seus próprios interesses, faço votos que de agora em diante tudo ocorra da melhor forma possível para todos.