Envelhecimento da população brasileira: um problema para a previdência social


Dilson M. Barreto
Economista

A longevidade da população brasileira é uma consequência do progresso econômico alcançado nos últimos decênios, com destaque para as políticas de bem-estar social fortalecidas a partir da vigência da Constituição de 1988. Este processo, se de um lado onerou consideravelmente os gastos do Governo, por outro, contribuiu para uma melhoria considerável dos padrões de vida do trabalhador e de sua família, resgatando-lhe dignidade e cidadania.

Decorrente de tais fatos, uma das grandes preocupações que deve ter o Governo a partir da atual década, diz respeito ao impacto que o envelhecimento da população brasileira deverá exercer sobre a Previdência Social ao longo dos anos que se seguirem. Além dos diversos problemas que já vêm sendo enfrentados e pormenorizadamente comentados em artigo anterior, considerados inclusive causadores do grande e crescente déficit financeiro existente e que ameaça tornar-se insolúvel caso não sejam tomadas providências compatíveis com a gravidade observada, três outros problemas começam a despontar no horizonte populacional e que poderão também contribuir ainda mais para o agravamento da situação:

1. em primeiro lugar, o aumento da longevidade da população, o que demandará mais tempo quanto à percepção dos benefícios auferidos por parte do aposentado. Segundo dados projetados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida ao nascer hoje está em torno de 75 anos, em 2020, 76,7 anos, em 2030, 78,6anos, em 2040, 79,9 anos, em 2050, 80,7 anos e em 2060 essa expectativa eleva-se para 81 anos. Nesse patamar, é importante observar também que a longevidade das mulheres é bastante superior à dos homens, ampliando assim o horizonte da dependência. Tais evidências vão exigir da Previdência Social maior transferência de recursos para esta nova parcela que, por força da idade, deixou o status de contribuinte para o de beneficiário. De ativo, para dependente e, como tal, exigente dos seus direitos.

2. aumento da população dependente, em função da mudança na estrutura etária da população: em 1980, 45% da população era representada por jovens entre 0 a 15 anos, enquanto os idosos com mais de 60 anos representavam tão somente 6%. No ano de 2011, essa relação correspondia a 36,0% e 18,6%. A expectativa para 2020 é que essa proporcionalidade mude radicalmente: 25% para a faixa de 0 a 15 anos e 12,2% para os idosos com 60 anos e mais. Já no alvorecer de 2050, essa proporcionalidade deverá estar situada na casa dos 13% e 23%, respectivamente.

3. tendo em vista a queda gradativa na taxa de fertilidade, hoje situada em 1,77 filhos por mulher, a tendência da pirâmide populacional é inverter-se ao longo das décadas seguintes, estreitando cada vez mais a sua base. Isto significa dizer que chegará um momento (provavelmente 2050) em que o contingente populacional economicamente ativo será inferior ao montante da população dependente (de 0 a 14 anos e de 60 anos e mais), tornando-se assim incapaz de financiar os gastos desse futuro contingente. Nesta situação, o bônus demográfico hoje existente (diz respeito à situação na qual o número de pessoas consideradas economicamente produtivas é superior ao contingente populacional dependente), transformar-se-á em futuro próximo, num ônus demográfico, desde quando altera sua posição de trabalhador contribuinte para beneficiário, concorrendo desta maneira para o aumento do déficit nas contas previdenciárias. Enquanto em 2013, 100 indivíduos sustentavam 46 dependentes, no ano de 2050 o grau de dependência eleva-se para 55,9, alcançando em 2060 a proporção de 65,9 dependentes. Nesse ano de 2060, está também previsto, a duplicação do número de idosos.

Considerando o ano de 2020 como aquele em que a massa de pessoas ativas atingirá mais de 144 milhões, maior contingente histórico em idade produtiva do País, seu ingresso no mercado de trabalho será suficiente para bancar os dispêndios com a população dependente registrada naquele ano. Por sua vez, em contrapartida, o crescimento acelerado do envelhecimento da população brasileira aliado à perda de vitalidade na taxa de crescimento do contingente jovem nos anos subsequentes e cujo objetivo seria sustentar com suas contribuições, a massa de dependentes que vai se avolumando a cada nova década, proporcionará grande impacto sobre o déficit previdenciário, tornando necessário suprir com recursos do Tesouro a manutenção dessa crescente parcela da população.

Concorrem para esta necessidade as seguintes justificativas assentadas muito mais no lado social-humanitário que econômico:

1 – não sendo mais esse contingente populacional gerador de renda do trabalho, torna-se imperioso garantir a reposição da sua renda, uma vez que dela necessitam para garantir sua sobrevivência.

2 – de igual maneira, essa transferência continuada de renda por parte do setor previdenciário vai evitar o aumento da pobreza levada pelas mais diversas circunstâncias quando a velhice atinge o seu patamar mais crítico.

Os aspectos acima analisados levam-nos a fazer os seguintes questionamentos: quem de fato vai alimentar a parcela superior da pirâmide quando ela estiver com sua base invertida? Como se procederá ao financiamento desse contingente que cresce a grande velocidade? Trata-se, portanto, de uma grave questão que impõe aos economistas do Governo grandes desafios no sentido de indicarem alternativas consistentes para não permitir engessar o próprio sistema previdenciário. Um outro fator que poderá ser considerado preocupante, diz respeito ao fato de que, depois de alcançar em 2042 um contingente populacional da ordem de 228,3 milhões, esse volume cai para 218,2 milhões em 2060; se de um lado há uma redução no contingente populacional, por outro, como a pirâmide da população já estará totalmente invertida, deverá haver  pressão ainda maior sobre os cofres públicos, com destaque para a previdência social, já que ampliou-se ainda mais o número de dependentes sem a necessária contrapartida dos contribuintes ativos.

O rápido envelhecimento da população brasileira, o aumento crescente da expectativa de vida ao nascer e a redução da mortalidade infantil levando à mudança no desenho da pirâmide populacional, colocam em risco o futuro do sistema previdenciário, cuja concepção estrutural e legal está alicerçada no princípio de que os ativos sustentam os inativos. Sendo direito do segurado, ao completar 65 anos (homem) e 60 anos (mulher), requerer sua aposentadoria independente de quaisquer outras circunstâncias, desde quando tenham completado o tempo de trabalho requerido para essa finalidade, é atribuição do poder público arcar com o ônus sob o qual está assentado o modelo previdenciário.

Como vamos lidar com esses problemas? Expandindo o limite de idade para aposentadoria, redefinindo inclusive o conceito de idoso? Aumentando a alíquota da contribuição cobrada do empregado e do empregador? Um país cujo número de idosos cresce em larga escala em função de sua qualidade de vida, requer mudanças de pensamento e de comportamento tanto do Governo a quem está diretamente vinculada a questão previdenciária, como também da própria sociedade, parceira fundamental desse processo geracional.

(Publicado no Caderno Mercado do Jornal da Cidade em 02/05 de março de 2014)