Dilson M. Barreto
Economista
Um segmento privilegiado que se diz de esquerda enche as ruas e alguns canais de informação pública para protestar contra os atos do governo que, certo ou errado, mais certo do que errado, procura aprovar instrumentos jurídicos considerados significativos para fazer a economia andar na diretriz correta e, a médio prazo, sair totalmente do atoleiro, proporcionando à sociedade bem-estar e um desenvolvimento sustentável. Protestam de forma inconsequente, esquecendo-se de olhar para o retrovisor e constatar que muitas das medidas agora tomadas tiveram sua origem em governos passados. O engraçado é que naquela época essas mesmas medidas eram consideradas por grande parte desse grupo de protestadores como necessárias e até mesmo prioritárias. Porém agora, em função da iniciativa ser de um governo considerado “golpista” “usurpador do poder”, elas são perversas e prejudiciais aos pobres, solapando-lhes “direitos conquistados a duras penas”. Será que realmente são os trabalhadores mais pobres que, a partir das reformas propostas irão perder direitos, ou essa perda está centrada num grupo de privilegiados que, para encobrirem a verdade, utilizam o nome dos segmentos mais pobres sem que estes tenham lhes dado procuração?
Com a ressalva para a questão dos 49 anos que eu entendo como medida excessiva, o Projeto da Reforma da Previdência deveria estabelecer o limite da aposentadoria aos 65 anos com ganho de 90% do salário e mais 2% por cada ano a mais de trabalho até completar os 70 anos. Deste modo, o que o citado projeto prejudica a classe trabalhadora pobre (o chamado trabalhador braçal) que, para atender as necessidades de sobrevivência dele e de sua família geralmente tem que começar bem cedo a trabalhar, às vezes a partir dos 16 anos? Geralmente quem ingressa tarde no mercado de trabalho são as classes privilegiadas por questões as mais diversas que não interessa aqui discutir. Ingressar no trabalho aos 40, 45 ou 50 anos, não lhes dá o direito de, aos 65 anos ter uma aposentadoria integral. É uma questão de justiça social. Aí sim, se tal situação viesse a ocorrer, a conta dessa despesa futura cairia nas costas dos mais pobres que, talvez, teriam de trabalhar ainda mais para sustentar essa classe retardatária.
Da mesma forma vejo os protestos relacionados com a reforma trabalhista como um mecanismo de preservação de diretos não das classes pobres trabalhadoras, porém de importantes segmentos que, por ideologia ou má fé, encaram os empresários como exploradores e inimigos do trabalhador. Daí a imposição, por falta de senso crítico ou noções de economia empresarial, de multas astronômicas sobre empresas, levando muitas delas à falência. Que tem de ilegal um acordo livremente firmado entre os sindicatos de uma determinada categoria com as respectivas empresas a respeito de determinadas condições de trabalho? Qual o crime nisto? A Consolidação das Leis do Trabalho foi editada durante o governo autoritário de Getúlio Vargas. De lá para cá, as coisas mudaram, a sociedade mudou, as relações de trabalho se modernizaram, os trabalhadores adquiriram uma melhor formação profissional e consciência política dos seus direitos, a própria economia deus saltos de progressos. O que se pretende com a reforma trabalhista não é tirar direitos e sim aperfeiçoar direitos renovando uma legislação por muitos já considerada arcaica.
Tomando apenas esses dois parâmetros, fica evidenciado que nenhum governo é tão estúpido de tirar direitos já consagrados do trabalhador. O que se pretende é tão somente aperfeiçoar uma legislação que, por não ter acompanhado o processo de modernização da sociedade à medida que os anos se passavam, tem travado o andamento do sistema econômico, aumentando custos e perpetuando privilégios e, com eles, a desigualdade. A realidade sobre a desigualdade social não está no contexto das reformas e sim em cinco grandes vertentes extra reformas: a) o desemprego causado pela recessão perversa a que foi submetida a sociedade brasileira a partir de 2015, alcançando o montante de 12,0 milhões de desempregados; b) o elevado endividamento das famílias brasileiras estimuladas pelos governos passados de contratarem créditos e mais créditos consignados para elevarem seus níveis de consumo e bem estar e que agora, pelo próprio grau do endividamento, pela recessão e pelo desemprego, não têm condições de sustentarem o mesmo nível de consumo com a consequente perda de bem estar; c) a distorcida estrutura tributária brasileira que concentra sua incidência em uma gama de impostos indiretos que distorcem a estrutura de renda da sociedade, privilegiando os segmentos mais ricos e prejudicando de modo significativo os mais pobres; d) de uma injusta apropriação de renda por parte de algumas classes privilegiadas instaladas no centro do poder político do Estado brasileiro que somente legislam em seus próprios benefícios; e) a própria concentração de renda originária de um estrutura capitalista perversa que é alimentado pelos diversos governos por questões políticas ou ideológicas e por imposição dos diversos organismos financeiros internacionais.
Ao invés de se protestar por protestar, por que não se sentar na mesa com os agentes do governo apresentando sugestões e propostas para o aperfeiçoamento das reformas? Talvez isto dê trabalho ou não seja conveniente politicamente. Para o momento atual é mais conveniente alardear uma grande discórdia usando para este fim a farsa de que são os trabalhadores os grandes prejudicados em seus direitos. E quando importantes segmentos bradam que os direitos dos trabalhadores estão sendo vilipendiados, o sentimento de solidariedade de uma população mal informada vai associar-se ao eco da discórdia. Até quando este tipo de desconstrução continuará ganhando força, concorrendo para que o atraso não seja vencido? Infelizmente a estrutura política em decomposição do nosso país colabora e colaborará ainda por muito tempo para a permanência deste estado de coisas.