Ao estado o que é do estado e ao mercado o que é do mercado


Dilson M. Barreto
Economista

Mesmo acreditando que já exista uma luz no final do túnel (o que não significa afirmar que o Brasil está salvo), não é com a aplicação de políticas neoliberais ortodoxas que serão resolvidas as questões relevantes da crise econômica que afeta a economia brasileira. Não é endeusando a supremacia do mercado que o crescimento econômico acontecerá dando saltos de felicidade. O mercado produz bens e serviços privados, que serão transacionados com a sociedade mediante a troca de dinheiro. O Estado produz bens sociais que são ofertados graciosamente a esta mesma sociedade, como recompensa aos tributos que pagam ao Estado. E dentre esses bens sociais estão os relacionados à infraestrutura (que os economistas denominam de capital social básico), a saúde, a educação a defesa e a segurança, dentre outros. O mercado pode naturalmente alavancar um processo de crescimento, todavia não o fará sem a sinalização do Estado de que dará sustentação a esse movimento positivo. Portanto, os investimentos privados somente ocorrerão em grande monta se contarem também com a chegada do Estado na realização de ações estratégicas, inclusive financeiras, necessárias ao estímulo ao setor privado, que somente ousa investir quando existe segurança e certeza de obtenção da rentabilidade desejada. Esta verdade é comprovada pelo fato de que o mercado não se caracterizar como instituição de caridade que se sensibiliza com o social ou com a montanha de desempregados que está se avolumando a cada dia (11,4 milhões), sem perspectivas de reversão a curto prazo. Espera-se que em 2017 o seu total seja ainda maior do que o hoje existente.

Do mesmo modo, o mercado não vai aumentar sua produção visando estimular o consumo mediante uma oferta maior de bens e serviços desde quando sabe de antemão que as famílias que ainda têm empregos não dispõem de renda suficiente para adquirirem os citados bens, além de encontrarem-se extremamente endividadas. Desta forma, a alternativa plausível será a retomada do crescimento mediante a janela dos investimentos. E, para tanto, o Estado tem que estar organizado para colocar-se à frente desse novo projeto. Como empresas de porte como a Petrobrás e a Eletrobrás estão quebradas (não interessa abordar aqui os motivos), levando inclusive a primeira a ser obrigada a desovar uma parcela dos seus ativos, iniciativa inclusive da gestão passada, para capitalizar-se, abrir novas concessões ou até privatizações pode ser um bom caminho. Entretanto, simplesmente privatizar ou estabelecer contratos de concessão quer sejam novos ou prorrogando os já existentes, não acenderá a luz verde do caminho do crescimento. Antes é necessário avaliar o que vai ser privatizado ou objeto de concessões e seus impactos diretos e indiretos sobre o bem-estar da sociedade brasileira e concernentes com o novo projeto de desenvolvimento que se deseja empreender.

Esta relação Estado-Mercado deve ser plenamente levada em consideração e discutida com a sociedade sobre o que realmente ela sinaliza como suas preferências para a promoção do seu bem-estar. Neste sentido, cabe ao Estado o fortalecimento dos programas do chamado “Estado de Bem-Estar” e o comando dos investimentos considerados impulsionadores do desenvolvimento, coordenando as ações do mercado quanto aos investimentos nas áreas de infraestrutura essenciais para dar sustentabilidade ao crescimento econômico. Não será um Estado Mínimo que terá a força necessária para esta grande empreitada.

Como vivemos num sistema capitalista, muito embora um capitalismo capenga dominado pelas grandes instituições financeira e pelas grandes empresas oligopolistas, é mister que o Estado, sem interferir na eficiência das mesmas, regule suas ações, estimulando a liberdade de entrada de novos concorrentes e democratizando o acesso aos novos investidores sejam eles nacionais ou internacionais. Talvez seja a hora de retornarmos ao modelo que se utilizou no passado de Capitalismo de Estado, uma associação entre o público e o privado (nacional e estrangeiro), alicerçado no controle e liderança do primeiro. O Estado ditando ao setor privado, mediante um bem elaborado planejamento, quais programas e projetos são considerados prioritários e que deverão ser executados através da iniciativa empresarial privada, com financiamento ou não do poder público, cabendo ao BNDES retomar suas antigas funções de principal agente financiador do desenvolvimento brasileiro, deixando para trás a nefasta concepção dos “campeões nacionais”.

A prática do modelo neoliberal que o governo interino pretende estabelecer como tábua de salvação, não irá resolver as questões básicas da economia brasileira nem eliminar os gargalos que obstaculizam seu crescimento. Até o próprio Fundo Monetário Internacional, em estudos recentes, já começa a reconhecer os erros do passado, revisando as fórmulas “miraculosas” e drásticas impostas aos países atrasados da América Latina, cujo resultado não os levou ao desenvolvimento autônomo e sustentado, porém ao estabelecimento de um processo de submissão e dependência aos países altamente avançados e ao capital financeiro internacional. Com base na premissa da construção de um Capitalismo de Estado renovado (que não se entenda como Socialismo), torna-se imprescindível dar ao Estado o que é competência do Estado e ao Mercado o que lhe é de direito segundo as regras econômicas estabelecidas.