Dilson M. Barreto
Economista
Primeira Parte: A volta ao modelo primário-exportador
Dois assuntos que têm me preocupado ultimamente razão pela qual coloco-os para discussão, de uma maneira especial por parte dos economistas: em primeiro lugar, a tendência crescente do Brasil, alimentada pelos conceitos bastante difundidos na teoria do comércio internacional relacionados à vantagens comparativas, de fomentar o estímulo à exportação de produtos primários, de pouco valor agregativo; em segundo lugar, a perda de espaço do setor industrial não apenas no mercado externo, como também no que diz respeito à produção para o próprio mercado interno em decorrência do crescimento das importações, estimuladas pelo câmbio valorizado, sinalizando a possibilidade der um processo de desindustrialização.
Em artigo publicado pelo economista Delfim Neto algumas semanas atrás sob o título “A Volta à Colônia” e que merece ser citado para uma acurada reflexão, ele questiona o seguinte: “Diante do quadro lamentável em que nos encontramos, alguém tem coragem de afirmar que uma sociedade de 210 milhões de habitantes pode ser próspera exportando apenas alimentos e matérias-primas?” Acredito que não, isto porque já ficou amplamente comprovado de que toda a prosperidade que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos da América a partir do século XIX deveu-se justamente à revolução industrial.
Na realidade, o boom do crescimento da China e sua sede por alimentos e matérias-primas fez o Brasil voltar-se para o passado, reativando o velho modelo primário-exportador de baixa intensidade tecnológica, em detrimento da expansão e desenvolvimento do seu parque industrial cujo acúmulo de valor agregado lhe permite expandir a geração de emprego e renda além de permitir a expansão do seu nível de competitividade no comércio internacional, como também, pelo seu efeito propulsor, contribuir para um maior crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Um alerta que os estudiosos deste assunto fazem diz respeito ao fato de que se o país continuar tendo como meta prioritária a especialização e exportação de bens primários, uma rápida desaceleração da China poderá reduzir sensivelmente o volume importado por aquele país que, aliado ao baixo nível de recuperação da economia mundial, significará a possibilidade de redução também tanto do nosso comércio internacional e, com maior ênfase do crescimento do PIB. Por sua vez, não é por toda vida que os preços internacionais das commodities permanecerão elevados. Sinalização inversa já vem ocorrendo o que poderá afetar o desempenho da balança comercial.
Na década de 1980, nossa pauta de exportação estava assim constituída: produtos básicos, 32%; produtos industrializados, 67%. De lá para cá muita coisa mudou em termos de política econômica e fatores internos e externos afetaram nossa pauta de exportação. A transformação qualitativa na estrutura produtiva e de comércio exterior do Brasil tem concorrido para que a participação do setor industrial na formação do Produto Interno Bruto venha caindo ano após ano. Em 2004 essa participação era de 28,6%, regredindo para 21,2% em 2016, dando a entender a existência de um processo de reprimarização da nossa pauta de exportação. Enquanto isso, o Setor de Serviços, nesse mesmo ano de 2004 tinha uma participação de 64,7%, elevando-se para 73,3% em 2016.
É claro que aquela ideia antes defendida pelo próprio Delfim Neto quando Ministro da Agricultura durante o Regime Militar de que “exportar é a solução” se àquela época poderia ter validade como incentivo à abertura do país para o exterior, hoje está demonstrado sua pouca eficácia desde aquando, mesmo com todo o incentivo governamental, a economia brasileira continua bastante fechada ao mercado internacional. Sua participação no fluxo de comércio é pouco mais de 1%, insignificante, portanto, para um país que é classificado como a sétima maior economia do mundo. Se é difícil abrir nossa economia para o comércio internacional, deve-se ter em conta, pelo menos, que o Brasil possui um mercado interno exuberante com suficiente condições para, expandindo sua capacidade produtiva, dar garantia também à expansão do setor industrial. Não se pode olvidar o papel crucial que a indústria representa para o desenvolvimento econômico, desde quando é justamente através do setor manufatureiro que o progresso tecnológico ocorre em larga escala tornando o país mais competitivo. De acordo com Marconi e Rocha citado por Mendonça e Martini em artigo sobre as “Evidências da Desindustrialização Brasileira (2016), “…os países que possuem maiores crescimentos são aqueles capazes de aperfeiçoar, agregar valor e reduzir os custos de seus produtos, firmando-se no mercado internacional como produtores competitivos de bens que incorporam tecnologia e inovação”. Da mesma forma, os autores acima citados são de opinião de que não constitui impedimento algum o fato de um país explorar “suas vantagens comparativas em relação a outros, o que no caso do Brasil são os bens primários. No entanto, a teoria econômica revela que o desenvolvimento econômico começa apenas com a revolução industrial”. É. preciso, portanto, revisar a lição de casa.
Encerro a primeira parte deste artigo recorrendo novamente a Delfim Neto que, iniciando a feitura do seu artigo acima mencionado, assim se manifesta: “Só os insensatos não veem que o Brasil precisa, urgentemente, de reformas depois da tragédia de 30 anos de governos que oscilam entre aceitáveis e medíocres. Com boa intenção, levaram o País de volta à condição de fornecedor de matérias-primas para os países desenvolvidos”. Arrisco a afirmar que esse processo tomou velocidade a partir da abertura econômica promovida no governo Collor de Melo que não levou em consideração o fato de que estando o setor industrial brasileiro intensamente protegido e ainda com baixa produtividade, não teria capacidade competitiva de concorrer com a entrada das multinacionais, invertendo, a partir daí, o seu processo de crescimento. Até quando este fantasma da primarização rondará a economia é uma questão que merece ampla reflexão por parte dos estudiosos em política econômica.