A Incompatibilidade entre desenvolvimento e neoliberalismo


Dilson M. Barreto
Economista

Já foi dito por mim em artigo anterior publicado nesta coluna que o desenvolvimentismo decorre de um processo acelerado de industrialização e está sustentado numa ideologia nacionalista muito mais voltada para o mercado interno do que externo, sob o comando de um Estado eminentemente protecionista. Todavia, é importante reconhecer que esse modelo, não obstante tenha forte suporte econômico, suas bases sociais são fracas, pouco contribuindo para a redução das desigualdades e de renda, talvez justificadas desde quando o objetivo maior desse processo de desenvolvimento é a construção de uma economia com bastante solidez e que possa, quando do seu amadurecimento, ser competitiva e aberta para o resto do mundo.

O progresso da população mesmo que em alguns aspectos aconteça mediante a geração de novos empregos que o modelo necessariamente proporciona, pressupõe estar associado a uma política de bem-estar social, o que na realidade nem sempre acontece em razão do direcionamento das políticas a serem executadas. Sua formatação e implementação exige necessariamente uma forte e atuante presença do Estado, pelas razões seguintes: de um lado para garantir a colocação em prática do modelo e, de outro, para resgatar para a população a melhoria de suas condições de vida. Entretanto, trata-se de um modelo que não exclui a associação com o capital internacional o qual é sempre bem-vindo para reforçar a poupança nacional geralmente deficiente para garantir sustentabilidade ao ritmo acelerado de crescimento que se deseja implementar no País.

A grande maioria dos economistas da atualidade louvam o desaparecimento da ideologia desenvolvimentista, embevecidos com as práticas ortodoxas (monetaristas) introduzidas entre o final dos anos de 1970 e início dos anos 1980, denominada neoliberalismo.  Trata-se na verdade de um liberalismo econômico que transcende o pensamento de Adam Smith, uma vez que, além da predominância do mercado, apoia-se também nos seguintes pontos: equilíbrio orçamentário, abertura comercial, livre movimentação das forças de mercado, privatização das empresas estatais e dos bancos públicos, desregulamentação do sistema financeiro, liberalização dos tetos para a fixação das taxas de juros por parte dos bancos comerciais, abertura do mercado de capitais direcionado ao fluxo da especulação financeira, flexibilização da taxa de câmbio como suporte às transações no mercado de moedas para fins de intermediação financeira.  Do mesmo modo, são alteradas as relações entre o trabalho e o capital, priorizando a hegemonia deste último, enfraquecendo o poder dos sindicatos e afetando a própria estabilidade do trabalhador e suas condições remuneratórias.

Avaliando os aspectos acima relatados pode-se, de plano, constatar a grande incompatibilidade entre esses dois modelos de política econômica: no primeiro caso – o desenvolvimentismo – mesmo persistindo certo enfraquecimento das políticas de bem-estar, observa-se, todavia, a existência de um crescimento econômico com relativa estabilidade que se procedia a taxas crescente do Produto Interno Bruto (PIB), tendo como base primordial uma estrutura de política econômica protecionista. Mesmo adotando preferência revelada pelo capital nacional, não se opunha, contudo, à entrada dos investimentos estrangeiros diretos complementando o processo de poupança interna quase sempre insuficiente para atender à grande demanda desenvolvimentista.

Com o neoliberalismo, ao contrário, além de não solucionar a questão do endividamento público nem da estabilidade fiscal e apresentar baixas taxas de crescimento da economia, observou-se fenômenos considerados gravosos para a sociedade: desindustrialização do sistema produtivo nacional tanto em decorrência da entrada em larga escala das empresas multinacionais, como pela forma secundária dispensada à  política industrial;  restrição às  práticas do chamado “Estado do Bem-Estar” levando ao aumento da concentração de renda e da riqueza; queda significativa dos investimentos, uma vez que o setor privado somente emprega seus recursos em empreendimentos que tenham rentabilidade garantida e retorno no máximo a médio prazo; aumento das taxas de juros para atender às novas condições estabelecidas pela predominância do capital rentista e como pressuposto para o controle da inflação; aumento do desemprego;  afastamento do Estado da gestão das políticas econômicas. E, o que é pior, a hegemonia do capital financeiro sobre o capital produtivo tornou-se responsável pelas grandes crises dos padrões de acumulação capitalista engendrados pela ascensão da globalização e do processo de internacionalização do capital. Se antes existia desigualdade social que, em princípio, seria corrigida com a intervenção do Estado, com as práticas neoliberais estas desigualdades acentuaram-se ainda mais.

De uma maneira geral, este novo padrão de acumulação capitalista denominado neoliberal que, abandonando as práticas keynesianas, passa a adotar o que se denominou na modernidade de reestruturação produtiva (introdutora de novas tecnologias e poupadora de mão de obra), é caracterizado pela perda do papel proativo por parte do Estado quanto as políticas econômicas e sociais que deveriam condicionar a melhoria dos padrões de vidas da população, aliado a um modelo de crescimento orientado para fora priorizando as exportações de matérias-primas e de produtos manufaturados de pouco valor agregado. Enquanto no modelo de capitalismo desenvolvimentista o capital estava direcionado para os grandes investimentos produtivos, no modelo neoliberal a dinâmica do capitalismo está direcionada para atender, prioritariamente, aos interesses do capital financeiro especulativo. Por fim, concordando com Francisco Luiz Corse em seu artigo “América Latina e Globalização. Uma análise das estratégias de desenvolvimento” (2008), deixo para reflexão esta evidência ainda bastante realista para os dias atuais: “a utopia liberal de uma economia baseada em mercados auto-regulados continua uma miragem. O capitalismo não vive sem uma forte presença estatal na economia”.